sábado, 15 de novembro de 2014

O que ela diz e eu fico a pensar…



…que gostava de ter uma máquina que pegasse nas palavras que acabara de ouvir e seguisse seus fios invisíveis até ao interior do cérebro que lhes deu origem e pesquisasse a sua origem e o seu porquê e o seu “como raio é que estas coisas saem daqui…”, o “o que esteve na origem disto…” e cuspisse cá para este lado a resposta, mesmo que incompleta, mesmo que codificada, a cada uma destas perguntas.

 

Estávamos no carro, chovia ao de leve, íamos a caminho da escola depois de termos deixado o João na escola dele. Falávamos da forma das gotas coladas ao vidros e de ligeiras curvaturas e de outras maiores e de a Terra ser redonda.

 

Quando:

M: “Eu nasci a gostar da Nêga.”

Eu: “Como?” – eu tinha ouvido as palavras, tinha tinha.

M: “Eu nasci a gostar da Nêga. Por isso não gosto que ela tenha morrido.”

 

A minha filha é a maior do Mundo



Um metro e cinquenta é a largura da minha cama.

E já tive menores…

E, nelas, costumam caber, com algum à vontade, eu própria, dois sapos de peluche e algum corpo mais, de uma maneira geral maior que o meu próprio, excepção feita a fases deste de, digamos… maior volume.

E consigo dormir sonos profundíssimos.

A minha filha deve ter, medidos entre as extremidades mais afastadas, uns trinta centímetros por um metro e pouco.

Não entendo, portanto, como é possível que nas raras noites em que me acompanha no leito, eu passe a noite a acordar do meu não tão profundo sono, precipitada do limite do meu colchão de, um metro e cinquenta, abaixo!

Só pode mesmo ser porque a minha filha é a maior do mundo… Lit-eralmente falando.

 

domingo, 2 de novembro de 2014

Dobras: “A Boneca de Kokoshchka”, de Afonso Cruz e “A Estrada”, de Cormac McCarthy


E, questionam-se alguns, o que raio tem a estrada a ver com a boneca???

Respondo eu: Nada.

Nada?, perguntam-me.

Nada. Ando preguiçosa (ou outra coisa qualquer que aqui não exporei por banal e sem jeito nenhum) e resolvi misturar o imiscível por terem sido os últimos que dobrei.

Um, dobrado em tantas que não conseguirei aqui expor; outro, quase nada dobrável, em físico.

Um, para quem de fora veja, em capa e contracapa; outro, um quase-nada quase imperceptível.

Porque não são elas que comandam aquela sensação de livro fechado e completo e, contudo, com aquela sensação de incompleto em simultâneo que é aquela que nos faz olhar para eles na estante e dizer: dêem-me tudo o que tenham para me dar; quero sugar-vos até ao tutano não findado. Pelas palavras (uns); pela intensidade (outros).

Uma grande diferença: ao terminar “A Estrada” disse-me: “não quero saber se o filme nunca está a par do livro; este, eu nunca verei, por incapacidade de interior.”

 

“ – É a maneira como os vejo. Tu vês de uma maneira e eu de outra. É assim que nós somos milhares de corpos diferentes. O nosso corpo depende muito dos olhos dos outros. Se pudesses juntar todas as opiniões sobre ti mesma, estarias muito perto da Visão de Deus.
- Quando olho para a pintura, não entendo se estou retratada de lado ou de frente. Vejo as minhas duas mamas, que parecem uns olhos muito abertos. Não me parece real.
- O que não é real é retractar as coisas somente por um ângulo. Quando penso em ti não é só de frente, ou apenas deitada, ou de costas, ou a andar. A verdade tem muitas perspectivas. Se nos limitamos a uma, estamos muito próximos do erro absoluto.
- Os meus olhos parecem dois peixes.
- É porque vemos o mundo de dentro de um aquário.”
in A Boneca de Kokoschka, de Afonso Cruz.

 “Ele desconfiava de tudo isto. Dizia que os sonhos apropriados para um homem em perigo eram sonhos de perigo e que tudo o resto era o chamamento do langor e da morte. “
[…]
“Nem todas as palavras prestes a morrer são portadoras da verdade e a bênção que proporcionam não é menos genuína por se ver privada dos seus fundamentos.”
[…]
“Parecia-lhe bem possível que, na história do mundo, houvesse mais castigo do que crime, mas isso não lhe proporcionava grande consolo.”
[…]
“Por isso, sejamos parcimoniosos. Aquilo que alteramos nas recordações também tem a sua realidade, conhecida ou não.
[…]
“Na não a acredito em nada disso. Deixei de acreditar há anos. Onde os homens não conseguem viver, os deuses não têm melhor sorte.”
in A Estrada de Cormac McCarthy

CAM


Entrei no CAM meio de surpresa. Lançaram-me um desafio de Gulbenkian e eu pensei: “Sol. Jardim. Memórias. Passeio.” Eu até estava a pensar era em ir ao cimena!...

Vi-me à porta do CAM, onde já não ia desde a exposição de Amadeo de Sousa Cardoso há uns meses (e, antes disso, há uns anos) – 1º Domingo do mês: entrada gratuita.

Não fazia ideia ao que iria, o que veria; apenas fui entrando.

Aqui para nós, tenho uma relação com a pintura um pouco estranha. Porque já percebi que muitas vezes depende do meu estado interior o que assimilo no interior face ao que está ao alcance do meu exterior. E o exterior não muda: pelo menos, em geral, embora hoje em dia tudo possa acontecer.

Entrei pela estação do Cais do Sodré e lembrei-me logo deles. São um interno que teima em estar presente face a qualquer externo.

Entrei na 1ª sala, mirei a 1ª obra à esquerda e logo, logo o meu olhar se fixou no corredor do meio, ainda ao longe e que eu sabia que não seria o percurso que iria seguir no imediato. Mas quedou-se-me.

Fui adaptando o meu interior face ao meu exterior, tentando abstrair-me do sol e do jardim e das memórias e do passeio e deixando que meu corpo se entranhasse no facto que era estar no CAM, a ver, a observar e não noutro sítio qualquer.

Não foi à primeira, nem à segunda, velocidade rápida como acontece quando este está em vários lugares. Aos poucos se alentando, aos poucos absorvendo, mas sem encanto.

Primeiro corredor, primeiros cubículos, primeiras obras, seguindo até ao fundo, dando meia volta e entrando.

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Eu ainda não percebi se são os nomes que constroem o nosso interior ou se é o exterior que se mete por dentro do nosso interior. Mas, entrada naquele 2º corredor, já vislumbrado de longe e, agora, admirado de perto, finalmente entrei. No sol, no jardim, nas memórias, no passeio. E era o corredor dos nomes. Daqueles com que já nos deparámos. Mesmo que não associados às imagens. São os que ficam e pensamos connosco que não pode ser um acaso que sejam estes que puxam nossos olhos como que chamando por nós.

sábado, 18 de outubro de 2014

O melhor jogador em campo


Ao longo dos seus já nove anos de existência, o meu filho mais velho tem tido diversos tiques. Não me recordo se já teve dois em simultâneo, mas já passou por várias fases, todas mais ou menos banais, como sejam
roer as unhas (já passou pelas das mãos e as dos pés),
fazer trejeitos esquisitos com a boca,
comer os dedos,
tirar macacos do nariz,
soltar sons com a língua ou guturais;
não sei se me recordo de todos.

De uma maneira geral, tentamos ajudá-lo a combater os tiques, o que, de forma emocional não percebo muito bem porquê, mas racionalmente há uma série de razões que fazem com que tenhamos esta reacção.

Tenho estado com alguma dificuldade com o último tique que adquiriu.
 
O meu filho mais velho, quando era pequeno, não gostava de futebol.
A determinada altura (eu sei a razão; sei, sei!), assim de uma hora para a outra, o futebol passou a ser uma das suas paixões.
É impressionante ouvi-lo falar sobre o Sporting, os jogadores dos vários clubes (nacionais ou estrangeiros), criticar decisões sobre a escolha feita por treinadores para as equipas iniciais, mesmo que do Mundial, de países que eu nem sabia que poderiam algum dia ir a um Mundial, dar opiniões sobre a beleza dos estádios de futebol, argumentar com taxistas sobre o quão melhor é o Sporting em relação ao Fêquêpê (e isto, em plena Invicta, entre Campanhã e a Foz, passando mesmo à beira do estádio do Dragão!).

Pois bem. O meu filho mais velho, agora, joga à bola em todo o lado. Quando vocês lêem aqui “todo o lado” devem interpretar como sendo em “todo o lado” e não devem colocar um “quase” antes do “todo”, como é costume fazer sempre que lemos abrangências universais como “todo”, “tudo”, “sempre”, “nunca”, “ninguém” e outras que tais.

Todo o lado é:
ao jantar,
quando está a lavar os dentes,
no carro,
quando está a fazer os têpêcês,
nas lojas,
enquanto vê uma exposição,
no meio de conversas que temos,
durante a história que leio ao deitar ou mesmo se estiver ele próprio a ler.

Dou por mim a dizer:
João, não se joga à bola enquanto se come.
João, se continuares a jogar à bola, não te concentras.
João, aqui dentro, por favor, não jogues mais à bola.
João, é perigoso jogar à bola dentro do carro.
João, olha que ainda dás uma canelada a alguém.

É que não consigo ter outra reacção, mais apropriada à situação.

O meu filho mais velho, em todo o lado, joga à bola.

Junta o indicador ao polegar com o braço estendido e imprime aos dedos o movimento de projéctil-bola, lentamente, até chegar à testa, cabeceia, novo movimento calculado em função da massa e da velocidade, até dar um toque suave de ombro esquerdo, dirigido matematicamente para o joelho direito, que sobe demoradamente até acertar no esférico com a força e ângulos tais para que o pé esquerdo, que já está preparado, lançado para trás, receba a intersecção de indicador-polegar e consiga acertar no exacto ponto em que deve atingir o chuto final em direcção às redes.

O meu filho mais velho, ultimamente, joga à bola em todo o lado. E em “slow motion”. Para as câmaras que se instalaram por todo o seu redor e que nada têm a ver com os olhos que existem em todo o seu redor.
Nesses momentos, ele não está comigo. Está no campo. Possivelmente numa das suas melhores actuações.
Entro nas lojas, verifico que não haja materiais demasiado frágeis nas redondezas, chamo-o à atenção quando vejo que pode agredir um qualquer adversário que ele, concentrado no esférico, não veja que está mesmo à sua frente e fico, adepta fervorosa, a torcer pelo

GOOOOOOOOOOOOOOOOOOLOOOOOOOO!!!!!!!!!,

de Joãããoãããoooooooo!!!! Sem dúvida o melhor jogador em campo esta noite!!!!
 
(e que este não seja mesmo no meio de alguma obra de arte de valor incalculável que estejamos a ver naquele momento…)

sábado, 4 de outubro de 2014

20 peças, 1000 peças, tantas peças


Quando era pequenina gostava muito de fazer puzzles. O meu pai viajava com muita frequência para a “Alemanha” Entre aspas, porque eu acho que sempre que ele viajava para fora do país, eu chamava ao “fora” “Alemanha”. Eu não sei, hoje, se seria assim com tanta frequência - o “muito” e o “pouco” crescem também, como nós, para dimensões diferentes -, mas sei que me lembro muito bem de o esperar naquele “hall” espelhado e em rampa do Aeroporto de Lisboa – aquele que é, hoje em dia, a rampa entre a sala de recolha de bagagens antiga e a já não nova, mas menos antiga (mal sabia eu que um dia conheceria tão bem as entranhas daquele local) -, brincava subindo e descendo a correr, olhava-me ao espelho e espreitava sempre que se abria a porta, jogava com os jogos de espelhos, para ver se era ele que já aí viria.

Trazia-me sempre uma prenda. E eu recordo perfeitamente aqueles puzzles, de poucas peças, em caixa verde. O “muito” e o “pouco” crescem também para dimensões diferentes, mas eu sei que fiz e desfiz aqueles puzzles (eram uns 3 ou 4 diferentes) muitas e muitas vezes, sobre aquela alcatifa verde escura da casa que viria a tornar-se a minha ilha uns anos mais tarde.

O gosto pelos puzzles cresceu comigo. Ficava horas a fio a construí-los, a estudar as peças, as cores, os tons, as formas; os traços dos narizes dos bonecos do Mordillo, os contornos de barcos e janelas de uma imagem de Amsterdão, os reflexos do sol num qualquer relvado cheio de cãezinhos brancos – tão irritantes, estes cãezinhos, bem me lembro. Sempre primeiro os lados. A moldura. Depois o resto. O combate do íntimo.

 
20 peças;

100 peças;

500 peças;

1000 peças;

5000 peças

Tantas peças.

 
Nos puzzles mais complexos, há uma ou outra peça que se encaixa na perfeição – em forma, em cor, em parte de traço – no espaço deixado por entre muitas das restantes peças que o compõem. Às vezes, só passadas várias horas, dias até, por vezes num relance de mais longe, por vezes num olhar mais atento de pormenor, por vezes porque não encontramos a peça certa para o espaço em cor de mesa com que nos debatemos naquele momento, nos apercebemos que aquela peça não pertence ali.

 
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Às vezes, só passados vários anos, vidas até, por vezes num relance de mais longe, por vezes num olhar mais atento ao pormenor, por vezes porque não encontramos a peça certa para o espaço em cor de carne com que nos debatemos naquele momento, nos apercebemos que nós não pertencemos ali.

Encaixamos na perfeição. Contudo.
 
 

Lapónia



E eis se não quando, com o assunto "Lapónia", me aparece um "e-mail" que diz:

"Era só para dizer que a Lapónia existe mesmo... "

Longe de mim.

Nunca, mas nunca!, vou dizer tal coisa aos meus filhos.

Já bem basta o que enchi de lama a minha credibilidade.

Se lhes disser que existe Lapónia e que não existe Pai Natal, ainda vão acreditar que existe um Lago Ness SEM monstro.

Livra!

domingo, 21 de setembro de 2014

Depois de leres este “post”, vais continuar exactamente na mesma


Irritam-me solenemente aqueles “posts” no Facebook em jeito de absolutismo:

“Não vai chegar ao fim desta história sem se emocionar”

“As imagens mais bonitas que alguma vez já viu”

“Veja tudo o que sempre ambicionou aqui”

“Este filme vai fazê-lo rir como nunca riu”

“Os 10 cabides mais invejados para a sua casa”


Nunca abro.

Não quero correr o risco de descobrir pelo Facebook que não sou humana.

Mais do que se diz por aqui…


Estava eu deambulando pelo meu caderninho vermelho quando me deparei com um sacal ainda não sacalizado. Nem tudo o que encadernei é sacalizável, mas este, lembro-me bem, nasceu para aqui.

Foi em Abril, fim-de-semana de Páscoa em A-dos-Negros.

O almoço era entrecosto do Rei dos Frangos, ou lá como se chama a churrasqueira.

Estávamos a falar sobre alguma prenda que eles pudessem levar para o pai, com quem iam ter no dia seguinte para comemorar um dia especial.

A minha filha estava determinada em oferecer-lhe um osso de entrecosto muito bem rapadinho, mas a que ela chamava “gaita”. E, conforme chamava, também lhe segurava como se de uma se tratasse. E soprava e guinava sobre os lábios para a esquerda e para a direita, enquanto da garganta lhe saiam alguns sons de metal.

O meu filho olhava para ela com ar enojado.

 

M: “Vou colar um papel na gaita e depois escrevo-lhe uma mensagem”.

J: “Que horror, Maria! Isto é um OSSO!”

Eu, tentando alguma paz: “Sabem Há esculturas muito bonitas e espectaculares feitas em osso?”

A Maria, num repente, tão repente que tive de re-ouvir no cérebro para entender o que ela acabara de dizer:

“Claro. Nós!”

"No creo em brujas, pero que las hay, las hay"


Estas conversas podem parecer à primeira vista muito fáceis, mas, a verdade é que puxam por uma pessoa. E mal sabia eu quanto!
 
Há muito que já havíamos abordado entre nós que era necessário elucidá-los em relação a este assunto. Mas fomos protelando, fomos vendo sempre à nossa frente aquelas carinhas pasmas de surpresa e também não contámos que chegassem aos 9 e 7 anos sem nunca se aperceberem de nada. E eu nem imaginava a que ponto.

Fui almoçar com o meu cunhado que me informou que havia tido a conversa com os meus sobrinhos mais novos e que ainda tentou abordar a questão com o meu João, mas que a conversa, que ele julgava ser linear para o pimpolho, não tinha sido assim tão esclarecedora. Tornou-se necessário agir.

Saquei do livro novo que, como se imaginasse que este iria ser o dia da conversa, havia comprado no Sábado para eles – “2 Histórias de Natal”, de Alice Vieira. Ao almoço abordámos também que, se eu puxasse o tema, a pergunta de certeza que haveria de sair da boca do João.
Era arranque de semana sim de arranque de Setembro, depois de férias, regresso às escolas, pelo que iniciei com aquela frase que digo quando quero que eles prestem bem atenção à história:

Eu: “Atenção que no fim vou fazer uma pergunta.”

Fui lendo com cuidado a 1ª história (mais longa que o habitual para noites véspera de escola) a qual contava o que se revelou ser um sonho, de uma menina que vivia uma vida ao contrário e cujos pais, ignorantemente, não acreditavam no Pai Natal: “Mistérios de Natal”, chamava-se.


No final, fiquei à espera da boca do João, mas esta manteve-se fechada e de lá não saiu nada a não ser um:

J: “então e as perguntas?”

“Bolas”, pensei, “não estão a ajudar nada.” E mal sabia eu o que ainda ocorreria nessa noite…

Perguntei, por fim: “E então? O Pai Natal existe ou não?”

As respostas, foram imediatas, concisas e precisas:

J: “Existe.”

M: “Claro que existe….”

 

“Bolas, bolas, bolas! Nem um esgar de dúvida?? O que é que eu faço agora?”, pensei.

 

Eu: “hmmmm… então onde é que ele vive?”

M: “Na Napólia.”

J: “Na Polónia.”

Eu: “Bom… É Lapónia. Mas só que essa terra não existe. É só imaginação.”

M, como se eu não tivesse dito nada que lhe interessasse: “Não ias fazer perguntas sobre a história? Porque é que não fazes uma pergunta a cada um?”

 
“Bom; parece-me que tenho de ir directa ao assunto”, voltei a pensar.

 
Eu: “Hoje vai ser um pouco diferente. Quero falar- vos sobre um assunto. O Pai Natal Não existe.”

J: “Não? Mas como?”

M: “Então quem é que dá as prendas?”

Eu: “Hoje almocei com o vosso tio João. Este era um assunto de que vos queríamos falar já há muito tempo. Como ele me contou que já conversou com o Francisco sobre isto (que, como sabem, tinha medo do Pai Natal e não estava a conseguir dormir por causa disso), resolvi que haveria de ser hoje. É tudo uma história; imaginação. Sabem, antes a mãe não ligava muito ao Natal, mas, desde que vocês e esta história apareceram, até passou a gostar mais. Porque é uma emoção e quase que parece mágico.”

 
J, que se lembrava da questão da irmã: “Mas então, quem é que dá as prendas?”

Eu: “Nós. Os adultos.”

 
A Maria lançou-se numa gargalhada e disse:

M: “Mas isso não é possível!! Os adultos não têm tempo para comprar aquelas prendas todas!!!”
 

“Ai…”
 

Eu: “Mas somos nós, os adultos. Sabem, o Natal é uma festa dos católicos em que se comemora o nascimento de Jesus. Para algumas pessoas, quem dá as prendas ainda é o menino Jesus. Entretanto, há muito tempo, alguém criou a figura do Pai Natal e a história de que ele dava as prendas.

J: “Por exemplo, na Holanda não é o Pai Natal, pois não?”

Eu: “Não. Na Holanda é o São Nicolau. Sabem, isto foi uma história que se inventou. É só imaginação. A mãe, quando era pequena, não se lembra de acreditar no Pai Natal. Lembro-me que, num Natal, acreditei que tinha sido o menino Jesus a trazer as prendas.”

M: “Eu acredito no Menino Jesus.”

J: “Eu não.”

Eu: “Eu também não.”

M: “Eu acredito que ele foi uma criança que existiu há muitos, muitos anos.”

Eu: “Ah, Maria. Mas nisso eu também acredito. Acredito que existiu um menino, Jesus, que existiu há muitos anos. Mas não acredito que, depois de ter morrido, tenha ido para o céu.”

M: “Ah… Mas nisso eu também não.”

Eu: “Pois, mas há pessoas que acreditam que, quando as pessoas morrem vão para o céu.” E ainda continuei, mas em voz mais baixa que, apesar de tudo já era de noite e não sabia em que é que eles iam acreditar ou não quando fossem, finalmente, adormecer: “ou para o Inferno”.

 
Gargalhada ainda mais sonora.

M: “Mas isso também é impossível! Se assim fosse, o céu estava cheio de gente!” e depois, continuando: “Eu tenho uma amiga da escola que não acredita no Pai Natal e, por isso, não recebe prendas.”

M: “Pois, Maria. Mas isso eu já te expliquei há uns tempos. Há uma série de pessoas de outras religiões que não comemora o Natal.”

M: “Sim, mas isto é aqui!”

Eu: “Em Lisboa, não há só católicos. Há pessoas de muitas outras religiões.”

M: “Muçulmanos…”

J, que se mantivera calado, só ouvindo e observando (e pensando, eu bem sei…): “Esses são maus.”

Eu: “Não João, não são nada maus”, aqui achei que não era dia nem hora de me estender também nesta conversa, mas ficou marcada para um dia mais tarde.

 
J: “Mas, ó mãe. Como é que é possível que tu nos estejas a dizer que não existe o Pai Natal?”

Eu: “Se eu te disser mil vezes que tu és feio, mesmo sendo tu tão bonito, começas a acreditar que és feio.”

J: “Mesmo olhando para o espelho e vendo o mesmo…”

Eu: “Isso.”

J: “ Mas mãe, eu vi o Pai Natal. Daquela vez em que eu tinha 3 anos e estava abraçado ao pai e de repente fomos à varanda… ele estava lá!”

M: “E daquela vez, em caso do Avô Sérgio, em que vimos o trenó a passar no céu…”

Eu: “A imaginação é uma coisa muito poderosa. É o que faz com que a cabeça dos seres humanos seja algo tão especial e complexo.”

J: “Mas como é possível os meus olhos terem visto uma coisa que não existia?”

 
A conversa estava a ser bastante mais complicada que eu imaginara. Mas também sabia que, com aqueles dois, não podia deixar o tema naquele pé.

 
Eu: “Não sei explicar melhor, João. Não duvido que tenhas visto, mas não consigo explicar melhor. Talvez um neurologista ou um psiquiatra. Por exemplo, sabes que as pessoas que andam muito no deserto, às vezes…”

J, interrompendo-me: “…vêem um oásis.”

Eu: “Isso. Vêem água, mas, na verdade ela não está lá.”

J: “E depois, vão até lá e é só areia.”

Eu: “Exacto.”

J: “Mas no monte, uma vez, ele até escreveu uma carta.”

Eu: “Pois… fomos nós.”

 
A Maria, que é bastante mais pragmática: “Mas como é que vocês tinham tempo para comprar tudo aquilo?”

Eu: “Aos poucos, Maria. Ao longo dos dias.”

M: “Mas como é que tanta coisa aparecia de repente, se nós estávamos sempre todos juntos?”

Eu: “Com muita ginástica. E havia sempre alguém que ficava e tratava disso.”

M: “E era à hora certa?”

Eu: “Pois. Aí fazíamos batota… Sempre fizemos quando dava mais jeito e não necessariamente à meia noite.”

M: “E onde estavam as coisas?”

Eu: “Na marquise.”

J: “Mas eu fui várias vezes à marquise e nunca vi nada!”

Eu: “Mas olha que estavam lá. Num cantinho.”

M: “E os guizos? Nós ouvíamos os guizos do trenó!”

Eu: “Pois… é um sino que os avós têm…”

M: “E o mapa? No ano passado estivemos a ver no computador da tia Martina onde ele estava…”

Eu: “Pois, Maria…. Mas é uma história tão antiga que já há imensos jogos e brincadeiras sobre isso.”

J: “Mas nós gostamos da surpresa… Significa que agora já não vamos ter mais prendas?”

Eu: “Claro que não, João. Se somos nós que compramos… Olha, eu não me lembro de ter acreditado no Pai Natal e sempre recebi prendas.”

J: “E podemos dar a nós próprios?”

Eu: “Bom, poder podemos. Mas não é costume. Sabem, não precisamos de ligar muito a quem oferece o quê. Por isso é que no fim agradecemos a todos. E, se vocês quiserem, podemos continuar a fazer a mesma brincadeira. E continuar a ser surpresa.”

 
Resolvi terminar a conversa por ali.

Beijinhos com:

“10, 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1, 0! Descolar para dormir e sonhar com… o Pai Natal.”

“1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, infinito, dezero! Descolar para dormir e sonhar com… o Pai Natal.”

 
Dirigi-me, algo cansada, para a cozinha, fumar o cigarro que se lhe impunha. Claro está que a Maria não se ficou por ali, como é seu hábito.

M: “Tanta coisa… Como é que tiveram dinheiro para tanta coisa? É que já se passaram Muuuitos Natais…”

Eu: “Dorme Maria.”

M: “Por exemplo os patins? Quem foi?”

Eu: “Os teus foi o avô Sérgio e a avó Ria.”

M: “E os outros?”

Eu: “Os outros foram a mãe e o pai.”

M: “E porque é que o João não teve?”

Eu: “Porque achámos que ele não ia gostar assim tanto.”

M: “Ahhh… Faz sentido.”

Eu: “Dorme, Maria.”

 
Ouvi silêncio e julguei que tinha terminado a saga. A certa altura, já em voz muito baixinha ouvi:

 
M: “Pode não haver Pai Natal… Mas renas há.”

 
Desisti e calei-me.

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

A família harmonia


A família harmonia é composta por:

uma mulher com os seus 40, 45 anos;

um homem com os seus 45, 50 anos;

um rapaz com os seus 18, 19 anos;

um rapaz com os seus 15, 16 anos;

uma criança, também rapaz, com os seus 5, 6 anos.
 

A família harmonia costuma chegar à praia não antes das 13:00 horas.

Da família harmonia, não se ouvem vozes altas. Mas há sorrisos e “bons dias”. Mesmo que ás 13:00 da tarde.

Na família harmonia destaca-se o carinho físico. Há contactos físicos.

O rapaz de 18, 19 anos acaricia a mulher. Vê-se amor nos seus gestos.

O rapaz de 15, 16 anos abraça o homem. Dá-lhe festas nos ombros. Fala pouco. De boca que se abre.

O homem abraça, dá colo, brinca, leva às costas a criança, depois de acordada da sesta que se repete todos os dias na areia.

Os 3 rapazes passeiam até ao mar.

A mulher e o homem descem de mão dada até ao mar.

Jogam os 5 à rabia.

 

Durante mais de 1 semana, a família harmonia harmonizou na palhota ao lado da nossa. Nunca se ouviu um berro. Nunca se ouviu um grito. Nunca se ouviu uma zanga. Tudo harmonia.

Sempre sorrindo, muito bem educados, bonitos e bem vestidos.

Até ao final fiquei sem saber com exactidão como se relacionava, em termos de parentesco, a família harmonia. Mas, a quem possa interessar, a família harmonia não era família de

o pai,

a mãe

e seus três filhos.

Mas sei que, na família harmonia, havia:

uma mulher, que era mãe;

um homem, que era pai;

um rapaz de 18, 19 anos, que era filho;

um rapaz de 15, 16 anos, que éerafilho; e
 
uma criança, de 5, 6 anos, que era filho. E irmão.

Dobras – Os Memoráveis, de Lídia Jorge


Eu não vou conseguir passar para palavras minhas, coerentes, tudo o que se passou durante as páginas devoradas:
enquanto caminhava, junto ao mar (ganhei este hábito há anos atrás, depois de observar e pensar que seria capaz de gostar daquilo);
à noite, na cama;
à noite, no pátio;
à tarde, no café;
à tarde, na areia,
de “Os Memoráveis”, de Lídia Jorge.
Eu não vou conseguir transpor para aqui
a ânsia de chegar ao fim sem nunca chegar ao fim;
a curiosidade;
o desejo de querer saber mais, saber tudo;
a vergonha de não saber mais;
a inveja de não ter escrito a relação-silêncio com aquelas não-palavras;
o querer falar sobre o
que senti durante “Os Memoráveis”, de Lídia Jorge.
 
Acima de muito, gostei muito de o ter lido – por causa do há muito 25 de Abril, mas, muito, porque o vi como um retrato do meu país de hoje, mostrado por um jogo de real-ficção desse dia memorável, mesmo a quem nasceu depois dele.
Foram umas páginas excelentemente bem passadas. Não tive dúvida da dobra escolhida. Que foram duas. Em página e contra-página. Em passado e para os meus.
 
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“A viúva suspirou, acabou por condescender - «Mas já que vos interessa tanto, tenho a dizer que, para ele, o momento mais emblemático parece-me ter sido aquele em que a sua coluna avançou pela Rua Augusta adiante, depois da capitulação da Cavalaria 7. Ele dizia que a uma certa distância, iriam pela zona da Rua da Conceição, se virara para trás e lhe parecera que o relógio do Arco estava parado. Dizia que tinha tido a impressão de que a cidade estava parada à espera, dizia que tinha tido a ideia de que não poderia pensar muito no que estava a acontecer para não pensar em nada que não fosse no passo seguinte, disse que viu o relógio parado e pensou que estava a dar a corda a um relógio, que as pessoas vinham aclamar à passagem da coluna, mas que ele não ouvia ninguém, só se ouvia a dar corda ao relógio do Arco. Contou o meu marido que ao dar a volta ao Rossio, quando as tropas de Infantaria 1 se renderam em frente ao Teatro Nacional. Ele dava corda ao relógio e começava a ouvi-lo trabalhar. Tanque tanque, tanque tanque. Dizia que as horas do relógio tinham começado a bater dentro da sua cabeça. Ele próprio o escreveu. Disse que foi assim que teve a capacidade de espera, de aguarda e de silêncio, que teve nervos para acalmar as multidões, para desencadear o fogo contra o Quartel do Carmo e para mandar parar o fogo, nervos para aproveitar os intermediários, e nervos para ir falar com o chefe do governo que estava a ser deposto, nervos para continuar a oferecer a sua vida, por um relógio a que ele dava corda sem cessar, devagar, rodando o mostrador, dizia ele, ele e os outros a darem corda àquele relógio parado que acabava de arrancar. Dizia ele que sabia que cinco mil homens, naquele momento, estavam a fazer rodar as agulhas sobre o mostrador da história. Que o mostrador surgiu iluminado quando a primeira hora da liberdade chegou. Contou o meu marido, já depois, quando passados dois dias pôde voltar para casa para fumar o seu cigarro. Foi muito lindo, dizia ele. E eu concordo. Tão lindo que se tornou difícil sobreviver àquele momento. Agora sou eu quem o está a dizer. Sou testemunha. Quem uma vez faz rodar as agulhas sobre um tal mostrador, em seguida, passa a conviver mal com a batida regular das horas. Difícil sobreviver aos dias, meses, anos que vem depois, quando o bater das horas já se transforma em rotina. Por isso mesmo, ele dizia que não se deve repetir por demais que foi lindo, porque se pode tornar ridículo de morte junto de quem já nasceu a ouvir bater as horas do relógio com regularidade. Ele dizia que tinha sido lindo para nós, que tínhamos o relógio parado, mas os vindouros, esses, dizia o meu marido, não precisavam de saber que uns tantos se dispuseram a dar a vida para fazer andar o relógio do Arco. O meu marido costumava dizer que não devemos encher a cabeça daqueles que vieram depois com a invocação daquele dia. Que feliz mesmo seria o dia em que todos pudéssemos esquecer que eles foram necessários, e até existiram. O meu marido era assim, desprendido. Um herói da retirada, o meu marido.» Disse a viúva, tentando desprender o micro da orla do decote.”
 
in, Os Memoráveis, de Lídia Jorge

- Muito bom dia! O que deseja?


Sou muito sensível à simpatia (genuína, ou, pelo menos, enganavelmente genuína) das pessoas que me atendem em lojas.

São algumas aquelas aonde não mais volto porque foram antipáticos ou pedantes ou mal-educados e basta que tal ocorra uma vez para lá não voltar a por os pés.

Num exemplo, prefiro ir de carro a um supermercado longe para comprar alimentos sem glúten (aos quais, supostamente, estou obrigada), do que voltar a entrar numa loja de produtos “naturais” que existe meia dúzia de portas acima da minha, só porque, numa vez, tive o “azar” de lá ter ido em dia e hora de inventário, manual, e nenhum dos dois empregados se dignou levantar a cabeça ou, mesmo sem a levantar, nenhum murmurou um

“peço desculpa; é só mais um bocadinho.”

mesmo estando eu de pé, à frente deles, a 20cm deles, à espera de pagar, uns longuíssimos minutos. Nunca mais lá voltei. Nem mesmo para fomentar o comércio de bairro (de que tanto gosto).

Nunca mais voltei á sapataria também mesmo ali ao pé, ou a duas lojas de roupa do centro comercial Saldanha Residence – uma por pedantismo, outra por falta de educação mínima que associo a profissionalismo -, ou ao quiosque da Passos Manuel, logo a seguir ao Jardim Constantino, ou à frutaria de uma das ruas perpendiculares à minha – por antipatia, pura e dura.

Eu estou a falar de antipatia, mas a mesma sensibilidade se aplica à simpatia (a genuína, aquela!). Ao meu grau de sensibilidade.

Sempre que vou à frutaria junto ao Jardim Cesário Verde (que, para além de ter fruta muito boa, tem sempre quem atenda com um sorriso de cara, mesmo que muito distante na língua - pelo menos na de origem), acabo por comprar fruta que dá para alimentar uma família com 5 filhos durante 2 semanas. De uma vez, paguei um balúrdio no final, só porque me deixei enternecer pelo sorriso do rapaz que enchia o saco de nozes e que me fez distrair da quantidade que efectivamente precisava. Há um restaurante na Passos Manuel que até é um pouco escuro e a comida (apesar de muito barata) não é nada de especial; mas não há empregado nenhum (e são, pelo menos, uns 4, conhecidos há pouco mais de 1 ano) que não me pergunte pelos meninos, que não lhes fale quando eles vão lá, que não me pergunte se está tudo bem comigo.

No outro dia, estava com o meu filho, e precisava de fazer algum tempo até que me viessem trazer a minha filha. Saímos do futebol e fomos almoçar ao H3 do Saldanha Residence (lugar suficientemente central para o objectivo) e entrámos numa loja que não fomentaria (julgava eu) uma cena enorme de

“compras-me isto?”

“quero aquilo.”

“olha que coisa tão gira para levarmos para a Maria!”

mas que também desse para encher o olho sem gastar dinheiro sem propósito.

Saí de lá com um saco grande, cheio de utilidades-mas-não-tão-úteis-como-isso para a casa e para mim (um massajador de banho que já tentei usar, mas não consegui - até hoje ainda não percebi qual o lado que massaja…), umas esferográficas para ele e para ela (como se não as houvesse cá em casa em número e desaparecimento suficiente), um caderno – Tão giro! Principalmente para princesinhas que gostem de borboletas! – para ela, uma cobrinha que pregava sustos e cheia de magia – E há cor-de-rosa! – para ambos e já não me lembro mais o quê, possivelmente derivado da crise de amnésia que nos assalta nas anárquicas férias grandes. A rapariga que atendia, o seu sorriso genuíno e o seu à-vontade comigo e com o puto que deambulava por tudo quanto era canto (na verdade, éramos os únicos clientes da loja), foram-me irresistíveis. Já lá voltei para “fazer tempo”. Nunca saio de mãos a abanar. E já lhe disse. À rapariga. Que é muito simpática.

 

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Tirei o 31 de Julho de férias. A Maria quis ir à escola de manhã (era a white party e a despedida final para as férias – que, na verdade, já haviam começado antes, mas que, dadas as vicissitudes das férias-grandes-não-tão-grandes-assim dos pais que trabalham, a tinham feito ir à escola nessa semana), o que até me foi útil para estudar o tema que se desenrolaria (ou talvez não) durante essa mesma tarde:

“Bom dia.”

“Bom dia!”

O sorriso da rapariga cativou-me logo. E apercebi-me logo disso.

Ela percebeu logo que eu estava lá para perguntar e não só para ver – também me irritam os empregados cola, chaga, demasiado “vendedores”. Fui perguntando e ela foi respondendo:

“Os que temos são estes. São todos anti-alérgicos.”

“Para criança, depende do gosto. Mas estes são os mais pretendidos”

“Não dói nada. Mas é algo que só costumamos fazer quando cá estamos duas pessoas para serem as duas em simultâneo. Assim não se assustam com a primeira.”

“Agora, de manhã, só cá estou eu. Mas a partir das 15:00, já estaremos duas.”

“Ou, se preferir, também temos lojas noutros sítios…”

“Depois, são 6 semanas (eu aconselho 8) com estes; e, durante 1 ano, tem de andar sempre com uns postos.”

“Mas, já que não tem, eu acho que seria marcante se a mãe alinhasse também!”

Riso escondido, de disparate…

“Ainda por cima numa data tão especial!”

 

Voltei a sorrir, tinha todas as informações, e saí.

 

Buscar à escola, dar um grande abraço e almoçar numa esplanada. Com o co-proprietário da ideia: o pai. A pergunta, a certa altura:

“Sempre queres?”

A princesa, em imediato:

“Claro que sim!”

 

De regresso à mesma loja – havia descrito as informações da manhã e estas haviam surtido o efeito de “sim; vamos lá.”

Efectivamente, duas funcionárias, embora nenhuma a da manhã.

Os mesmos sorrisos (os genuínos), o mesmo à-vontade, a mesma disposição. Alguma controvérsia na escolha:

“Esses são tão grandes Maria.”

“Esses são tão brilhantes, Maria.”

“Com bonecos nem penses, Maria.”

“Não gostas destes, Maria? São pequenos e cinzentos. Dão com tudo, Maria.”

A escolha foi pouco orientada. Assim que ela põe uma decisão na boca, não há quem a tire de lá. O nervoso miudinho, a preparação. O choque e

“Já está!”

“Agora fixe, fixe, era a mãe fazer também!”

 

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Aos 38 anos de vida (uma; aos sete, outra), graças à euforia de datas especiais, mas muito graças à simpatia sem par de 3 raparigas da loja Claire’s de Telheiras, mãe e filha mutilaram seus lóbulos orelhais:

“um mal-me-quer dourado com pétalas de várias cores”

“uma esfera o mais pequena que tenha, cinzenta”

E saíram com dois certificados de “eu furei as orelhas e nem sequer chorei!” na mala.

 

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Na Rua de Dona Estefânia, bem junto à frutaria dos simpáticos, duas portas acima, há uma funerária. Desde este dia que atravesso a rua sempre que passo por aí… Não vá serem simpáticos...