quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Da dor e da mágoa


Não.
Não é mágoa o que sinto.
Porque essa tem de ser dirigida. Por definição, digo eu; mesmo sem consulta a dicionário, apenas com consulta a mim.

Mas.

Que fazer com esta dor, dirigida na sua origem, e que nem em mágoa consigo transformar?

(des)acordares


Há dias em que acordamos (não necessariamente naquele instante em que abrimos os olhos depois de dormir; por vezes até acontece com eles bem cerrados) cheios de energia e vontade de tomar decisões; que digo?!, com as decisões já tomadas, determinadas, absolutamente irrevogáveis;

escrevemo-las, até, no caderno mais recente que nos tem acompanhado, com formato listado, ordenado, priorizado;

tomamos o leite com Nescafé, sentados com as costas bem direitas, olhando o mundo-varanda-terraço de alto; que digo?! – todo o Mundo visível e distante o vemos de alto!;

alongamos o instante em que deixamos escorrer a água do chuveiro sobre o nosso corpo nu, sobre os nossos cabelos, até que ele deixe de ser instante e passe a momento, enquanto fechamos os olhos bem acordados em revista à lista que ordenámos há minutos no caderno mais recente que nos tem acompanhado;

abrimos o armário e escolhemos criteriosamente a roupa adequada ao dia de decisões irrevogáveis; tudo condiz: desde os minúsculos brincos ao decote, aos sapatos, ao cinto e passando pela expressão que nos olha do espelho;

quando saímos de casa, fechamos, educadamente, a porta de forma audível; para que não haja sonho que se intrometa.

Saímos à rua.
Ouvimos uma ambulância ao longe.
Procuramos o carro, entramos, sintonizamos energia.
A fundo, seguimos.

……………………………………………………………………………………………….

Estacionamos e pensamos que é provável que não nos lembremos de onde o fizemos.
Seguimos pelo passeio indiferentemente.
Rodamos a chave 4 voltas, que impacientam, para entrar.
Aquecemos restos da véspera porque não nos apetece cozinhar sem amor.
Vamos para a cama e fazemos questão dos nos deitarmos a quase 1 metro e quarenta do caderno mais recente que nos tem acompanhado.
Apagamos a luz.

Fechamos os olhos. Em jeito de desacordar.

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Tentativa, espero que útil, de exorcismo


Leio:

e·xor·cis·mo |z| substantivo masculino
1. [Religião católica]  Orações e cerimónias do prelado ou do sacerdote para ordenar ao demónio que deixe o possesso.
2. Preces para afugentar tempestades, insectos malignos, etc.
3. Esconjuro.
in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa
  

Ponto.


Porque há palavras e imagens que teimam em não sair da minha cabeça, penso para comigo que, se as escrever, pode ser que afugente “insectos malignos” (à falta de melhor definição, esta parece-me perfeita).

Há uns dias atrás, no carro (estou cada vez mais convencida que o carro e a proximidade-distância que ele impõe a quem o ocupa, é local bastante propício a conversas de vida, das complexas):
- Mãe. Eu não quero ficar de cama.
- …
- Eu não estou a falar de ficar NA cama porque estou doente ou assim. Estou a falar de ficar DE cama.
- Percebi, Maria.
- E isso não significa que me importo de ficar velhinha. Não. Só não quero nunca ficar DE cama todos os dias e precisar que me levem à casa de banho.
- (garganta em seco) Está bem, Maria. Mas, sabes, nós nunca sabemos quando isso vai acontecer…
- Velhinha, sim. De cama, não. Prefiro morrer primeiro.
- Está bem, Maria. Eu compreendi.

Não está mesmo nada bem, Maria. Esse poder de racionalização crua que obtiveste da observação e da percepção da grande diferença que existe entre o “ter anos” e o “estar vivo”, poderia ser um motivo de satisfação, mas não é.
Porque presente, cheio de dor e porque, quando o expões, posso dizer “Está bem.”, mas que nunca, nunca dependa de mim.



Penso:
Insectos malignos – Buuuuuu!!!!

"Mas eu não quero", digo, enquanto ouço falar de probabilidades.