sábado, 22 de outubro de 2016

Anti-frases


Sinto-me uma anti-frase. Aprecio mesmo ser do contra. Porque, quanto mais não seja, fomenta a discórdia em modo de diálogo. Puxa por nós ao ponto de nos obrigarmos a refutar. E a ouvir. E isso parece-me ser muito bom, nos dias em que quase nenhum de nós critica e, se o fazemos, é porque alguns muitos já o fizeram antes e nos sentimos mais à-vontade, acompanhados e, acaso contra-criticados, não estaremos sozinhos e teremos quem defenda connosco.

Uma série de infelizes circunstâncias me inibem de mostrar-me. Infelizes, porque representam vergonha de mim.

Mas continua o gozo do contra-argumento. Mesmo que só pensado. E, que melhor sítio para o sacaletalizar que este. O próprio.

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Um primeiro exemplo:

"Eu gosto de gente que sabe ser sol, mesmo quando a vida está nublada."

 Sim. Eu amo a minha M.

Mas...

Eu também me debato por conhecer as tuas nuvens, mesmo quando a vida está soalheira; e como elas se moldam e mudam de cor, conforme o vento ou a pressão atmosférica ou o grau de humidade. E de percorrer seus contornos e tons e me aventurar na interpretação do que os faz mudar, contorcerem-se ou continuarem quase estáticos, em forma, mas em translação até escurecerem ou se desvanecerem. E recorro a instrumentos de ciência exacta: para medir altitudes, velocidade de vento, ângulos em relação ao desnorte. Desenho-te em tuas diversas posições reconhecidas por mim e outras e faço por as transpor para as nuvens que constróis e escondes; porque está sol e tu sabes bem sê-lo, mesmo quando te enublas.

E eu quero-te nuvem.
Para a interpretar.

 

Fazer Amor ou A Refeição Completa


Eu faço amor com qualquer bem.

Amo, atacando com cautela e detalhe as tripas de meia dúzia de sardinhas; mesmo que tal signifique que minhas mãos não lhes perderão o cheiro durante dias. Removo todo o acre do animal: indicador ligeiramente curvo, em movimento lento e profundo. Até às entranhas. Com carinho, e até algum pudor, pego-lhes pelo rabo e deixo que o fluido-água escorra pelos seus corpos distendidos na palma da minha mão, para lhes tirar as tantas escamas. As que podem fazer engasgar garganta demasiado sensível.

Amo, ao untar, com mistura previamente preparada com azeite, sal e ervas finas, um longo e espesso lombinho de porco. Passo minhas mãos lubrificadas, iniciando-as em alguma extremidade até se precipitarem no seu fim e sinto a sua textura macia e áspera; porque é possível sentir macio e áspero; basta juntar à ponta dos dedos toda a palma de uma mão; ou de ambas. E deixá-las percorrer longo e espesso pedaço de carne.

Amo. A sobremesa. Exige maior concentração e nem sempre esta chega ao final da refeição completa nas melhores condições. Estudos aprofundados; análises; reaccções químicas; medições exactas em momento em que a exactidão já se foi; pela exaltação. Pelo que, por amor, terá de ser preparada antes, mesmo que servida depois. Ou como início do restante. Em camadas; sobrepostas; ao milímetro, para bem encaixarem; doces e acres, por forma a criarem o equilíbrio do contraste; do ir e do vir; do dar e do receber; da subida dos níveis de açúcar, seguida da subida dos níveis de acre; do veloz e do lento. Em cadência. A sobremesa é conflito. Batalhas de colheradas que terão de ir até ao fundo da taça para se saberem totais. Para saberem a totais.

Completamente.


Eu faço amor com qualquer bem
(alimentar, diga-se, neste sacal - havia ficado incompleto; desde que por um bem; -bom, acrescente-se; em resumo, um bombom, para terminar; com recheio)

Frases 4



"Mesmo que não sejamos, que tenhamos, pelo menos, momentos.",

respondo em escrito quando me desejam a tão cobiçada Felicidade,

o que pode parecer vulgar, mas é difícil de admitir; porque é duro admitir que já nem esperamos chegar-lhe, mas que almejamos por momentos, muito mais que instantes e, isso, no presente, porque, “quiçá?”, amanhã nos contentaremos com os outros: os instantes breves e fugidios que por vezes aparecem na nossa vida e que, por felizes, ainda nos atreveremos a chamá-los de momentos.

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Frases 3


"Por mais que vos apague, serão sempre re-escritos*"

"*e isso é mágico",

o que pode ser lido com a crueza de quem lê um relatório técnico e, preso às palavras, vê Mãe a apagar Filhos como se tal fosse natural e tira-lhe a magia asterisco, mesmo que haja egoísmo no que escreve; porque por vezes as Mães (se eu escrevesse os Pais, iriam todos pensar em Mãe e Pai, não é?; façam, então, um exercício de igualitarismo e pensem também nos pais, sim?) precisam apagar os filhos, apagar-se a si próprio, e re-escrever, com lera bem redonda: Eles, Ela, Ele.
O escrever de novo, não apaga o rascunho.  

Frases 2


"O mundo, quando o construímos minimamente bem, não nos reserva surpresas.",

o que podia ser interpretado como um fastio de vida (eu própria questionei a frase assim que escrita, mas, como sei que era bem dirigida, nem pus parêntesis, nem aspas, nem excepções, nem nenhum daqueles extras que pômos quando temos receio de não sermos bem interpretados), mas que, para o contexto e "antenas" certos, pode muito bem siginificar que estamos para sempre acompanhados dos nossos, assim o tenhamos construído, mesmo que durante a empreitada tenha havido momentos de desconstrução sem, contudo, nada a que se possa chamar de demolição. 

Frases


"Hoje, acordei com a alma molhada.",

terei até verbalizado no arranque já avançado do dia; e, em não o recordando, mas crendo, achei a frase bonita, realmente real (chovia, até) e vi.

Um treinador de atleta individual, que está no canto a aguardar um qualquer "gong" que faça chegar à sua beira o seu Homem, para que possa limpar-lhe a testa, passar a toalha nas superfícies do corpo mais fustigadas, atirar-lhe berros de incentivo.

Enfim, secar-lhe a alma.

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Dos amores que se julgaram mortos


Aí há uns tempos descobri, ao varrer o pátio, um coração seco, espalmado, quase inexistente, no chão à beira de netos e filhos recém paridos e exigentes em acções de rega, poda e desbaste.
Estava completamente distraída, ou, melhor, absorta, em dar vida aos mais recentes rebentos da casa, também ela recente, e em fazer com que vivessem e crescessem ao vir para o prato.
Estava eu absorta.
Estava eu a varrer as folhas secas da nespereira.
Estava eu quase a precipitar espigos de PVC sobre ela.
Estava eu quase a enviá-la pá, vassoura e saco abaixo.
Estava eu distraída e acabei com tudo logo ali nesse quase.
Olhei em torno. Não vinha de cá.
Como raio teria tão perfeito amor vindo adoptar tão cimenteiro chão de pátio, sem que eu tivesse dado conta: em loja de vaso ou terra ou semente; de vermelho ou outra cor meio escolhida em torno de meses de sementeira e colheita inscritas em papel plastificado resistente a tempos, meses ou colheitas de ser?
Era de noite e não me levara a nada.
Registei-a, porém.
Até que hoje.
Reguei, podei e desbastei. E encontrei novo amor ali. No meio do chão cimentado. Cinzento. Pontualmente esboroado. Sozinho por entre a carnificina de semeados e desejados.
E dei-lhe a sua oportunidade de, se não ser, Nascer. E levantei os olhos e vi-a. A Morte. Nua e crua, no pátio do 2º Direito. Havia uma morte por ali. Com ramo mais cortado que os outros. Seco. Espalmado. Quase inexistente.
Se, de restantes ramos verdejantes, havia vida, daquele, apenas amarelo-outono sobressaía. E eram esses que esvoaçavam para o meu cimentício pátio.

Todos os amores de ramo que se julgara morto.
E não o estava. Julgara-se, porém.


(Es)tou petulante


Imaginem que eu já fui.
Serei passado, portanto.
História, com muita sorte e vida.

Terei sonhado eu com descritos em livro de escola?
Claro.
Não constavam.
Terão minhas noites ficado em claro com a imagem vazia de campa cheia de dizeres ausentes de louvor em meu nome?
Algumas.

(Es)tou petulante.
Porque mo permito.

Se não aproveitarmos estes instantes, haverá sempre quem os viva por nós.
E, isto, é guerra a eles.
(se fora a nós, deixaria de ser petulante)

Mural



O nosso mural é interactivo.
No nosso mural, temos escrito aquilo que nos vai na cabeça, mesmo que de manhã muito cedo e não tenhamos cabeça para muito.
É um mural que reflecte: se escrevemos que estamos de mau humor, recebemos textos mal-humorados; se enviamos bons-dias, esses mesmos são-nos devolvidos em forma de letras bem desenhadas.
O nosso mural passou pelo facebook e não se deu bem. Porque é nosso e não de todos os “amigos” que nos rodeiam.
No nosso mural, escreveram “I love you 3!”. E lemos e voltámos a escrever e elas não se apagaram. Mesmo que as apaguemos.
Este tem sido o nosso mural. Que se espraia fora janela e portas.
E, a todos, um bom dia! Ou uma boa semana! Ou uma boa vida! Que escolham!