terça-feira, 18 de agosto de 2015

Amigos, amigos...



Aí há coisa de pouco mais de 2 anos (como vós, atentos sacais, terão registado), mudei de casa.

Antes de ser baptizada pelos meus como “a casa mini da primavera”, exigiu alguma energia - que fui encontrando conforme pude e tive que – por forma a que o espaço envolto pelas diversas paredes, janelas e porta (nunca percebi bem a insistência em reduzir a só quatro paredes as nossas casas, mesmo porque, uma só parede, pode ser, por si só, pelo menos duas, já que podemos ter, de um lado, a parede da sala, sendo esta, também, a parede da casa de banho, bastando, para isso, apenas sair da sala, virar à direita no corredor, entrar na primeira porta, também ela à direita, e olhar para o mesmo elemento físico e constatar que é também a parede da casa de banho) se fosse transformando em, efectivamente, casa e não só um espaço mesmo que com direito a fotos em “site” de imobiliária de Algés.

IKEA, Continente, Casa, várias horas de montagem, um pedido de empréstimo de energia eléctrica para uma extensão gigante que vinha dos “vizinhos-to-be” do piso de baixo, algumas ofertas e compras de bens em 2ª mão, contratos disto e daquilo e lá se foi mutando o espaço.

Como não podia deixar de ser numa casa feminina-e-maternal (na verdade, até hoje, nunca soube responder de imediato à pergunta “quanto pesa o seu filho/a?”), uma das aquisições desde logo de início foi uma balança. IKEA, redonda e com relógio incorporado (o qual, já há meses, deixou de funcionar por falta de pilha).

Coloquei-a estrategicamente à entrada que é também saída da casa de banho, sob uma prateleira de pedra mármore (que faz parte das mais-que-quatro paredes da casa), exigindo que, para que entabulasse conversa com ela, me baixasse, a puxasse lá debaixo e, só depois, me aventurasse sobre a dita.

A nossa relação começou tímida. Na verdade, com tanta azáfama de reinício de vida – vocês não imaginam a quantidade de coisas que fazem falta numa casa pronta a habitar – nos primeiros tempos esqueci-me que existia.

Depois foram eles que começaram a achar-lhe piada, a dar-lhe trela, a ver se já tinham aumentado mais um bocadinho, na proporção directa do tempo que se via passar também por ela, com os seus braços assimétricos e de movimento regular.
-       Esta balança é fixe!
-       Mãe, já peso mais 4 quilos do que no ano passado!
-       Anda lá tu pesar-te! Ficamos as duas a ver quanto dá!

De facto, pensei, comprei eu uma balança e ainda não lhe liguei nenhuma, coitadita…

Aproximei-me resoluta, seus braços informavam-me que eram sete e vinte da tarde, encaixei meus pés junto aos pequeninos da M., olhei para baixo e:
-       Ó Maria?! Quanto é que tu disseste que estavas a pesar?...
-       Vinte e dois, mãe!

Saltei imediatamente do electrodoméstico para baixo (o que, felizmente, não eram mais que uns 2 ou 3 centímetros) e, rápido:
-       Bom. Tenho de ir preparar o jantar!

Passei a noite a pensar se teria feito bem a subtracção ou se, dada a hora e mês, não estaria inchada ou com retenção de líquidos pelo calor ou qualquer coisa do género. Acordei ansiosa (não tanto que prescindisse do Nescafé matinal), tomei um banho, sequei o cabelo para que não houvesse gota a mais sobre o meu corpo, aproveitei para ver as horas - eram nove e quinze de uma manhã de Sábado – pus um pé, de seguida o outro, expirei fundo e… zuca; olhei para baixo.

Novo salto:
-       Sua estúpida, sua ingrata! Mas tu estás parva, ou quê?

As crianças – que, felizmente, já estavam acordadas – precipitaram-se fora do quarto para o corredor onde eu me encostara à parede e:
-       Que foi, mãe? O que se passa?
-       A-que-la coisa ingrata que ali está – e apontei – é uma grandessíssima de uma aldrabona!
-       Qual coisa, mãe?
-       A parva da balança, claro!
-       Mas olha que não, mãe. Eu pesei-me na balança da avó na semana passada e deu exactamente o mesmo…
-       Chiu! Não digam disparates!
-       Mas a sério que sim, mãe. Ela ontem disse-me que eu pesava vinte e cinco que foi o que a da avó me disse também…
-       Não quero saber nada disso. A mim, ela anda a enganar-me. Inadmissível. Uma ingrata!

Tentei domá-la em algumas semanas. Chamava-lhe nomes, dava-lhe patadas, punha-me de bicos de pés para não a melindrar. Nada demovia a dita cuja de me atirar com quilos de mentira para cima.

Na última semana antes de ir de férias de verão, resolvi não lhe tornar a falar.

Regressei passadas duas semanas, olhei-a de cima e pespeguei-lhe com um par de olhos de puro desdém.
-       Pfffffff…… Estúpida…

Sempre que começava “semana-sim”, normalmente após o banho, as crianças perguntavam:
-       Então a balança? Ainda anda armada em parva?
-       Não sei – repondia-lhes – não lhe falo já para mais de vários meses. Cortei relações com ela. Pffff…

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Próprio de espírito de época, lá para fins de Dezembro, decidi que, custasse o que custasse, não haveria de me deixar rebaixar por uma mísera balança de casa de banho, mesmo sendo esta bivalente e me ajudasse a ver o tempo passante.
-       Bom, sua parva. Não há-de ser por tua causa que vou passar a achar que tenho problemas de socialização.

Desta feita, não fui de ligeirezas, atirei-me com ambas as palmas dos pés de uma só vez, em salto de 2 ou 3 centímetros, olhos directos para baixo, nem vi as horas, ponteiro desirmanado para a direira, para a esquerda, saltitante em “dégradé” de redução de velocidade, até que foi estacando, foi estacando, foi estacando…

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A nossa relação nunca foi das melhores. Lá isso é verdade. Hoje em dia não penso já que seja um problema de socialização, porquato não o fui sentindo conforme o ponteiro se atrevia a ir cada dia mais além.

Mas, quando vivemos durante algum tempo (neste caso, mesmo que os menos atentos sacais saberão que por já mais de dois anos) com um mesmo electrodoméstico, acabamos por lhes ir conhecendo as manhas, aquelas teimas que mais não são que chamadas de atenção, aquelas outras que são teimosia de quem já nasceu assim – neste caso, directo, bruto, indo logo ao assunto, mesmo que, porventura, magoando quem nos quer apenas conhecer ou dar-se a conhecer um pouco melhor, mesmo que por intermédio apenas de duas palmas de pés e um olhar atento a ver se o ponteiro se descai.

Temos mantido uma relação cordial.

Eu já não lhe chamo nomes e ela tem tentado aumentar-me em ego e reduzir-me em quilo.

Dir-se-ia que uma relação perfeita.

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Vim de férias.

Antes de vir de férias para aqui, estive de férias mais lá para cima, na Guarda.

Tenho estado entre amigos. O que será o mesmo que dizer: tenho estado com quem posso falar sobre o tempo, as crianças (nas suas particularidades), os calções que me estão apertados, o trabalho, outros amigos, o passado, o futuro, viagens, sonhos, mesmo que disparatados, de infância, histórias de adolescência. Enfim. Amigos até ao ponto de, em querendo, nem falar de nada.

Alugámos uma casa por uma semana e é muito pouco tempo.

Na verdade, já no ano passado (e, em outros muitos cenários) estivémos juntos, mais ou menos sempre por uma semana.

Desta feita, parece-me muito pouco, o tempo.

E tudo porque, nem sei que horas seriam já que a parvalhona nem isso me soube dizer, decidi por as palmas dos pés na famigerada que, alguém muito insensível decerto, resolveu deixar perfeitamente acessível para qualquer um cair na esparrela de, em férias, ser simpático e iniciar uma tentativa de podólogo.

E, digam-me, como é que eu, em 7 míseros dias, vou conseguir empatizar com uma estúpida sem jeito nenhum e pálida que me olhará sempre que for tomar banho e me dirá:
-       Eu já te conheço… oh, se te conheço…

Parva… Ela que não julgue que me desmancha o prazer, a lambisgóia…

Ela, e o seu amigo espelho, mesmo defronte. Não julguem que eu já não o topei, não... Malandro...