Quando, de quando em vez, muito espaçadamente, dou por mim me obrigando a pensar (digo "obrigando", porque não é algo que saia naturalmente de mim; normalmente está associado a conversas que vou ouvindo de colegas, "amigos" ou amigos - nos amigos, felizmente, também tal é raro, o que me faz pensar que, apesar de tudo, me vou encaixando numa normalidade que tenho cada vez maior tendência em designar como anormalidade, o que não abonará muito em favor dos tempos de hoje):
"O que desejas para o futuro dos teus filhos?", inevitavelmente começo pensando em "O que não desejo para o futuro dos meus filhos.".
Ao contrário do que outros "nãos" podem significar, não considero que esta tendência tenha uma componente forte de contrariedade (de que sou famosa), mas sim porque efectivamente me debruço mais facilmente sobre o que não desejo para eles do que o fácil que é desejar para eles. O Amor, A Felicidade, A Diversão...
Há dias pedi ao meu filho que me enviasse um dos filmes de youtubers que ele tanto tem visto. No imediato, vi-o acender olhos e perguntou-me:
- Mas... Queres mesmo ver?
e eu:
- Sim. Tenho alguma curiosidade.
No imediato seguinte vi sombra sobre ele e apressei-me:
- Pode ter palavrões. Eu não me importo. Envia-me só, para eu ver. Gostava mesmo de ver o que vês!
(pausa, em reflexão)
- Eu agora tenho visto mais um que não tem palavrões. Mas o outro que via antes... E... Tens a certeza? Isto são vídeos de "gamers"... (acho que foi este o termo)
- Ó João. Escolhe então um de cada e envia-me. Ao teu critério. Só queria ver também o que vês.
Notei que ficou contente por lhe ter pedido tal. debruçou-se sobre telemóvel e foi pesquisar. No entretanto:
- Ó mãe. Eu envio. Mas tu não me vais proibir de vê-los, pois não?
- João. Como sabes a tua mãe dificilmente proíbe que vocês vejam coisas. Mas darei a minha opinião. Tal como já disse que algumas séries que a tua irmã vê são uma merda e nunca a proíbi. Mas com ela já as vi, e fiz questão, e dei a minha opinião. O que tu tens visto não conheço. De qualquer forma, caso eu verifique que é matéria para te proibir de ver, assim o farei. Mas para saber, tenho de ver.
- Proibir?
- Sim. Imagina que andas a ver filmes violentos; em que, por exemplo, há tipos que batem e maltratam pretos. Isso eu te proíbiria.
- Oh mãe! Claro que não vejo nada disso!!!!!
- Então envia. E terei gosto em saber o que tanto aí vês!
E ele enviou. E eu tenho as minhas opiniões que lhas darei quando regressar a semana-mãe.
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Quanto ontem apanhei o metro de regresso a casa, ao escolher o álbum ou compilação que me acompanhariam na viagem, deparei-me com o "Out of Africa" e, face ao enorme cansaço, bem como a outras circunstâncias aqui sem contexto, por ele me deixei ficar. Dá-me um multi-misto de
emoção
excitação
apaziguamento
força
que estavam perfeitos para o fim do dia, ainda com tantos, pelo menos planeados, afazeres pela frente.
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Após alguns insucessos nos afazeres (a que me senti alheia), lá me sentei em varanda-campo e abri as notícias em modo espertomóvel e logo logo me deparei com ela. Exigia phones e atenção. pelo que os fui buscar e voltei a sentar-me em banco de varanda, em verdadeira expectativa.
E ouvi-a. A mesma voz (mais afónica) do "Out of Africa" (que mesmo que não explícita em música ouvida em metro, nunca deixa de estar bem presente, na mesma música, ouvida em metro). A que me disse já várias vezes "I had a farm in Africa...".
E o que ela disse e que me provocou sentir amálgama que há muito não sentia foi:
(e como esta coisa já me pregou partidas em outros "filmes" que aqui coloquei, como a animação "The Light" que foi das coisas mais bonitas que vi nos últimos tempos e como faço questão que este daqui não saia, atrevo-me a copiar excertos do texto, com partes do discurso, de Paula Cosme Pinto, e que acompanhavam a publicação que ouvi e li com todos os sentimentos à flor da pele:
«O desrespeito convida ao desrespeito, a violência incita à violência. Quando os mais poderosos usam a sua posição para intimidar os outros, todos nós perdemos". Palavras da enorme Mery Streep, que ontem subiu ao palco da 74ª edição dos Globos de Ouro para receber o Prémio Carreira. Durante cerca de seis minutos, a atriz aproveitou o momento para fazer uma reflexão sobre os desafios que os Estados Unidos enfrentam após a eleição de Donald Trump. E sem sequer mencionar o nome do próximo Presidente do seu país, deixou-lhe esta mensagem com que começo o texto, quanto à importância de se saber liderar uma nação.
Afónica e visivelmente emocionada, Meryl Streep -
que tem feito bandeira da importância da igualdade nos EUA - usou a aparente ironia e bom-humor para começar o seu discurso: “Vocês e todos nós nesta sala pertencemos verdadeiramente aos segmentos mais vilipendiados da sociedade norte-americana neste momento. Pensem nisso. Hollywood, estrangeiros e a imprensa”. Primeiro o público riu, depois percebeu que o discurso de Streep seria tudo menos uma paródia quando a gigante do cinema começou a enumerar as diferentes ascendências de vários dos artistas presentes na sala: bairros de lata de Nova Iorque, Etiópia, Índia, Israel, Itália e por aí fora. “Mas quem somos nós? E o que é Hollywood, de qualquer forma? Um monte de pessoas de outros sítios. Hollywood está cheia de forasteiros e estrangeiros”, lembrou a atriz, tocando num dos pontos mais polémicos da campanha de Trump. “Se os expulsarmos todos, não terão nada para ver a não ser futebol e combates de artes marciais."
Perante uma sala em silêncio sepulcral, Meryl Streep decidiu então contar qual tinha sido o desempenho que mais a impressionou em 2016. "Este ano, houve um desempenho que me impressionou, e não pelas melhores razões: o momento em que a pessoa que se senta no lugar mais respeitado do nosso país imitou um jornalista com deficiência, alguém sobre quem tinha superioridade no privilégio, no poder e na capacidade de ripostar. Ver isto partiu-me o coração e é algo que ainda não consegui esquecer, porque não foi num filme, foi na vida real."
A atriz referia-se a Trump, que durante um comício na Carolina do Sul
ridicularizou publicamente o jornalista Serge Kovaleski, do The New York Times, que sofre de artrogripose, uma doença congénita rara que, entre outras coisas, afeta as articulações. "Este instinto para humilhar, quando é posto em prática por alguém da esfera pública, alguém poderoso, infiltra-se na vida de todos nós, porque de certa forma dá permissão aos outros para fazerem a mesma coisa. “O desrespeito convida ao desrespeito, a violência incita à violência.”, rematou Meryl Streep.“Quando os poderosos usam a sua posição para intimidar os outros, todos nós perdemos.”
A atriz aproveitou para agradecer à imprensa , e fez um apelo para que no futuro os jornalistas continuem a fazer um trabalho livre, onde não faltem denúncias de atos de intimidação, desrespeito e abuso de poder. Quanto ao privilégio de se ser uma figura pública consagrado pela máquina de Hollywood, deixou um recado aos colegas de profissão, mas que me parece ser adequado a todos nós: “Devemos relembrar todos os dias a responsabilidade de agirmos com empatia.”
Com Donald Trump prestes a tomar posse do país, é essencial que todas as vozes que se ergueram durante a campanha não se calem depois de dia 20 de janeiro. Os Estados Unidos irão enfrentar tempos complexos e o exercício da democracia, nas suas mais variadíssimas formas, nunca foi tão importante quanto agora. Para que o medo nunca se sobreponha a valores tão básicos como a igualdade a liberdade e o respeito. Este pequeno contributo de Meryl Streep é um bom exemplo disso.»
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Foi quase num imediato que "partilhei" publicamente esta emoção.
E, no imediato seguinte, partilhei um "Para eles verem; incluindo a "triste" cena relatada".
Fiz questão de acompanhar este discurso nos seus pré e pós.
Conto que não haja batota futura de youtube que bloqueie estes breves excertos de vida de Mundo de 2017.
Em pré, para contextualizar:
https://www.youtube.com/watch?v=PX9reO3QnUA
E em pós, para ridicularizar (há que dar sempre um espaço para ridicularizar; pena é que seja em tão graves circunstâncias):
(o tipo nem consegue arranjar-lhe adjectivo ou foi já assessor atento que cortou?)
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Meus queridos sacais,
Eu preferia que os meus filhos não vissem tanta merda como vêem (naturalmente que aqui constará um certo exagero, no sentido em que eles são uns privilegiados porque, para além de merda, também vêem e vivem e sentem tanta outra coisa que não o é; mas assim não causaria tanto efeito). Há merda, no entanto - daquela que deixa nauseabundo, agoniante e doloroso cheiro; por anos, décadas e, espero eu!, não mais que isso, em tempo - que, ao contrário das outras, eu faço questão que eles vejam, leiam, sintam.
Porque me é essencial que eles apreendam que
«O desrespeito convida ao desrespeito, a violência incita à violência. Quando os mais poderosos usam a sua posição para intimidar os outros, todos nós perdemos"
E esta reflexão, esta interiorização, é o que mais desejo para o futuro dos meus filhos.