sábado, 5 de julho de 2014

Dinner for?... how many words?


Dinner for two:
bolinhos de alheira, ameijoas da fajã à bulhão pato e prego de atum em bolo do caco. Tinto da casa que acompanha. E fica. Era muito. Não estamos habituadas a jantares a duas, ali.
Palavras giram em torno de trabalho, de planos de férias, crianças, adaptações, amores e quotidianos. Poetas no Povo fazem girar as suas em torno do tema desse dia – Poesia e Amor. A várias vozes. Com algum humor, mas dois textos que ficam e se me sobressaem:

Casamento
“Na riqueza e na pobreza, no melhor e no pior, até que a morte vos separe.”
Perfeitamente.
Sempre cumpri o que assinei.
Portanto estrangulei-a e fui-me embora.

Noivado
Estendeu os braços carinhosamente e avançou, de mãos abertas e cheias de ternura.
- És tu Ernesto, meu amor?
Não era. Era o Bernardo.
Isso não os impediu de terem muitos meninos e não serem felizes.
É o que faz a miopia.

(já vos falei daqueles períodos que acontecem de vez em quando em que ficamos que tempos sem nos cruzarmos com algo e, num repente, esse mesmo algo cruza-se connosco em cada esquina. Assim tem sido Mário-Henrique Leiria).

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Dinner for one:
bacalhau assado desfiado com batatas a murro – restos do almoço de Sábado -, regado com tinto lá de casa. Que fica. Não há palavras que se ouçam; das de voz alta. Dessas, só as que brotam da TV e que se deixam estar enquanto outras, das de voz calada, acompanham a tarefa, feita em gestos lentos, de verificação, organização e separação da roupa da Maria em:
"serve" – dobrar e por no armário;
 "é para devolver à Mariana" – dobrar e por no saco com imagens verdes;
"é para dar à Clara" – dobrar e por no saco laranja.
Já não tenho tanta “mão” para ver o que serve e o que não serve – cresceu tanto a minha princesa… - pelo que me auxilio nas medidas recebidas em mensagem:
"do pipi ao calcanhar" – 48 cm;
"dos ombros ao rabo" – 43cm.
Sacos arrumados e preparados; com roupa e palavras de memórias. Que um dia voltarão a ser medidas, dobradas, alteradas no tempo e no que invocam – outros Natais, outros aniversários, outros primeiros dias de aulas, outras aulas de ginástica, outros verões, outras poças de água.

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Dinner for two:
picanha e lombinho de porco grelhados. Com feijão preto, o primeiro. Um jarrinho e meio de tinto da casa e uma seven-up fresquinha.
Palavras que se esclarecem em torno de trabalho e que entram, depois, para dentro das casas de vidas. Despejam-se na toalha da mesa, em forma de plantas desenhadas com primor de não-arquitectos para a melhor percepção do lado de lá, mas com pressa de se formarem, de se fecharem paredes, de se entreabrirem portas, para passar às explicações, às descrições. Cada uma onde vivêramos. À vez. Todas em Lisboa ou relativamente perto. Os quartos (ou o quarto), as salas, as cozinhas, as casas de banho, os escritórios, as varandas ou a ausência de varandas. Agarrados às casas, dentro das plantas, estão os pais, os irmãos, as avós, os companheiros, os filhos e os animais de estimação. Também estão as dificuldades, a falta de espaço, o excesso de espaço, as vistas, as escadas, os esconsos, os pormenores, o tempo. As mudanças. As portas que se fecham. Uma nova planta que nasce em traços apressados entre a caneta e a toalha de papel sobre a mesa.

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Dinner for two:
ovos rotos com farinheira, morcela com compota de cebola, alheira com ovo de codorniz. Jarro de tinto da casa e gasosa com gelo. É muito, mas já são 22:00 e estamos cheios de fome.
Conversamos sobre morte e sobre doença. Sobre a necessidade de ocupação da mente e do corpo; e de se ter de ter algum no bolso. Nem que seja para pagar saúde. A saúde está muito cara...
Discutimos Física – materiais que absorvem cor, capacidade de reflexão, gravação a laser.
Descascamos o que víramos, ouvíramos, sentíramos nas últimas 3 horas: o surreal, louco, inesperado de um concerto de piano com Cabo Verde, Serge Gainsbourg, Madredeus, tocados por aquela mulher de saia de veludo vermelho que se erguia com o vento, naquele piano de madeira clara, sobre aquela carrinha de caixa aberta pelas ruas (ainda) movimentadas da Graça, desviando-se dos eléctricos, invocando surpresa, espanto e admiração por quem passava e se detinha; a exposição no 1º piso da galeria de imagens impressas em acrílico sobre a dor da A., sobre doença, sobre luto, sobre morte e sobre memórias e ginásticas circenses, como dito pela própria, na rua, em jeito de poema, acompanhada pelo mesmo piano da saia de veludo vermelho esvoaçante; o fado vadio, o fado lisboeta, as palavras que nos fazem ver esta cidade, brotadas da boca desdentada do velho que bebia tinto entre temas; uma prenda para um filho que era uma escultura em movimento, hipnotizante, era um concerto, um jogo de luz e sombras, um movimento de “mobile” colorido, com flores, aviões, aparas de lápis, pirilampos mágicos, sob palco de piano e assentos escuros, também eles circum-navegando, recortados na parede em contra luz, cravados em móvel de madeira antigo e escolhido e tratado com alma.

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Dinner for eight:
(regresso ao início da semana, mas sem a poesia no cartaz)
bolinhos de alheira e ameijoas da fajã que se repetem. Mais: peixinhos da horta, atum braseado com feijão frade, ovos mexidos com farinheira, camarões ao alhinho, bacalhau à Braz, salada de polvo; tudo submerso em tinto da casa e imperiais, que não ficaram; foram sendo substituídos.
Somos oito e somos mulheres. Brindamos. “Com o vinho da casa”. Precipitamo-nos em nós. Nas Mulheres. No amor e no sexo; nos encontros, nos “dates” e nos supermercados; no “sexual harassment” e nos pedestais; na culpa e nas divergências; na Ciência e nas “soft skills”; no “multitasking”, no “onetasking” e no “untasking”; no escrevermos e no que escondemos e no que expomos; no “ballet”, na dança, no violino e no “karate”; nas apresentações e nas representações; no ensino e na formação e na desformatação; nos pais sobre os filhos e nos filhos sobre os pais; nas separações e nos reencontros; na música, nos festivais, no corrermos (mesmo que não só para apanhar o autocarro) e no superarmo-nos; no superar os outros e em sermos ambiciosas; “bossy” versus assertivo; nas descriminações e nas diferenças culturais; no ocidente e no oriente; no Brasil, nos Estados Unidos, em Cabo Verde, em Moçambique; e em Portugal, o nosso Portugal; nos amigos e nas nossas casas e nos nossos homens; nos sucessos e no prazer; no peso da História, na revolução do Povo e na revolução da Mulher; em capulanas, vestidos, saltos muito altos, tapetes e beliches; em aprender, aprender, aprender; e trabalhar, trabalhar, trabalhar; e viver, viver, viver; na saudade e na coragem; na felicidade e na euforia; e no tinto.
A noite termina de manhã bem entrada. Em casa, depois de casa.

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Dinner for one:
tosta de frango.
Caipirinha.
Sem tinto.
Palavras?
Só estas.
Em mais um Sábado de mais uma semana que se despede por entre os prédios da Rua de Dona Estefânia.
Semana sim.