Por mais
verdadeiros e transparentes que sejamos, nem sempre queremos que os nossos
prazeres sejam do conhecimento alargado. Não por poderem ser ilegítimos ou
atentarem a qualquer bom costume (“bom costume” é expressão que nos poderia
levar bem longe, em texto, mas não cabe tudo aqui e há que ser minimamente
assertivo ou os leitores rapidamente mudam de página; neste caso, fazem
discorrer dedo ou rato mais para baixo); apenas porque não queremos. Haverá
muitos “porquês”, possivelmente agregados “por grupos” e até alguns que são
apenas nossos. Mas não têm espaço neste texto.
Vou dar um
exemplo e tome-se apenas como exemplo: há quem retire um enorme prazer da
refutação escrita. Também com a outra, a falada, mas pode dar-se o caso de
encontrar em modo lido algo que, por diversas circunstâncias, puxe mais pela
escrita. Fá-lo quase de urgência e utiliza-o, não apenas pelo prazer de refutar
outros, mas porque, ao fazê-lo, entra em exercício de reflexão “para dentro” e
acaba também por se refutar a si próprio. É bem capaz de, por vezes, partilhar
essa reflexão. Mas, por entrar demasiado dentro de si, não o faz com a verdade,
transparência ou abrangência que lhe são sobejamente reconhecidas.
Não temos de
partilhar tudo com “todos”. Confesso que sinto arrepios quando vejo desabado em
FB um momento de sofrimento que não caiba dentro de alguma opinião “pública”.
Eu, quando sofro, nem me lembro que esta coisa existe (esta frase não é
totalmente verdadeira, mas diz respeito a momentos de sofrimento-só e
permito-me mentir descaradamente, pelo propósito do texto – muitas vezes
incoerente, bem sei).
Não vou dizer que
não é útil e que serve por vezes propósitos interessantes (bolas! Como não
suporto esta palavra; deve ser um indício escondido…). Mas, como devemos reagir
quando, no espaço de breves minutos nos deparamos com
- poemas lindíssimos
que pecam por estarem sempre associados a imagens que só servem para captar
olhos desatentos e sem ligarem sequer à palavras que as precedem
seguidos de
- notícias de violência
doméstica (seja ela numa casa, num país ou pelo Mundo)
seguidas de
- apontamento
humorístico brilhante sobre qualquer hipocrisia do mundo (eu adoro rir e penso
que rir de nós próprios é um excelente exercício)
seguido de
- fome,
necessidades extremas, necessidades que, não classificadas como extremas,
deviam ser vistas como tal; mas já nos tornámos insensíveis e já só vemos
necessidade se virmos, a acompanhá-la, barrigas inchadas, corpos de crianças
boiando, fotos de pais que choram, esventrados ou rebentados, idealmente, com
um membro para cada lado; e que tenha imagem, bem chocante, a acompanhar o
texto
seguidas de
- “veja aqui qual
a sua profissão de sonho”, onde reconhecemos publicações de tanta gente que já
muito deu trabalhando naquilo que não foi “escolhido” como seu sonho, mas onde se embrenhou, talvez até
com vocação de início, mas caindo depois nas malhas do “necessário”, do “não
posso deixar isto”, do “pois… mas tem de ser.”; infelizes naquilo que mais lhes
ocupa os dias depois dos dias
seguido de
- centenas de
mortos após tentativa de resgate de uma embarcação ao largo de…
seguidos de
- todas as receitas
da Bimby!
seguidas de
- dezenas de
mortos em ataque no…
seguidos de
- “Parabéns!” –
já nem me lembro bem da tua cara, mas esta coisa disse-me que fazias anos
seguidos de
- burlões,
chantagistas, aldrabões, potenciais vencedores em seus mundos de mentira
seguidos de
- excertos de
livros que nos tocam; que sentimos mesmo sem comentar
seguidos de
- votos de
pêsames por alguém que lutou por outros e que acaba de se ir
seguidos de
- fotos de
paisagens, pessoas ou momentos Belos; ou engraçados
seguidas de
- avisos para
concertos ou exposições ou inaugurações ou festas, que serão muito bons, em que
até nos atrevemos a premir o “com interesse”, mas em relação aos quais já
sabemos que não iremos, porque, porque, porque…
(e, se aqui
continuasse, não mais daqui sairia; não porque o mundo esteja todo aqui, longe
disso, mas porque já há tempos que venho escrevinhando sobre o tema e todos os
dias me ainda surpreendo).
Tentando não me
perder no texto, às vezes, pura e simplesmente, não queremos os outros dentro
das nossas refutações. Nem nas dores nem em todos os prazeres. Quando não temos
a quem mais recorrer e precisamos (porque é uma necessidade) escrever, criamos
Sacais. Há períodos em que os deixamos em modo de “espera”. Mas não os
esquecemos. E, quem sabe?, talvez nos contradigamos num futuro e ficamos
pensando nisso e até apostamos connosco que tal ocorrerá, porque existe lá
coisa mais saudável do que nos desafiarmos para benefício de Nós, enquanto Nós
Com Os Outros? Só Entre Nós… claro.