Manhã cedo – sendo Sábado e depois de um deitar não demasiado tarde, mas
mais para além do que acostumei o meu corpo nos últimos dias, em que todos se
adormeceu sobre um novo romance que se espera que nos encha, em alma –, roupa
quente, confortável, de caminhada; carro; rádio alto, indecisão no objecto do
ouvir, disco à frente, disco atrás, põe óculos escuros, tira óculos escuros e
troca destes pelos de ver que o caminho a tomar é novo, paro no disco 27, salvo
o erro, que o número é indiferente, mas hoje a manhã é em Sevilha, ouvindo-me e
às restantes 4999 pessoas cantando-o, de início quase tímidos, como se lhe
impõe a uma manhã de Sábado, cedo; arrancar.
Cábula na mão direita, averiguar se é estritamente necessário parar para o
gasóleo (até porque o regresso será apressado), decidir que não, quanto mais
não seja para não contrariar os ouvidos de todo o corpo.Destino: um especial aniversário. Um pouco para Norte.
Mesmo com cábula, já bem próximo do final (pelo menos do escrito), a fatal
frase:
“[…] (atenção aqui, viram à direita
mas não seguem pela rua mais à direita porque essa é uma rua estreita de
sentido único e sentido contrário). Ou seja, passam pela frente da Câmara
Municipal (não pelas traseiras).”, liou seja, percebi:
- atenção que já fizeste merda…
Não foi da grossa, felizmente, e a correcção não foi difícil, mas obrigou a paragem forçada para ler tudo com um pouco mais de atenção (e, claro, a que escolhi só tinha 1 sentido, o de para lá - por sinal não era contrário -, pelo que o de para cá não servia, ou não daria em merda, mesmo que não da grossa).
Estacionamento no local combinado, ainda com os 10 minutinhos suficientes para um sumo de laranja natural e um café – não… não sou das que merdam com fatal mistura… -, numa pastelaria mesmo à beira.
Primeira a ver a aniversariante, o que permitiu um maior à vontade dado
àquele abraço primeiro, e único, do dia – os abraços são um assunto meu a
desenvolver, mas que não cabe neste particular.
Chegadas dos restantes em mais duas mijinhas.- 15km… não sei bem… deve ser mais ou menos isso…
A aniversariante presenteou-nos com mochilas a condizer, sandes com excelente aspecto – descobri quando comi a minha (de presunto e tomate), junto ao moinho abandonado no alto da 2ª serra, que eram ainda mais excelentes e que tinha um confit de (já não me lembro) divinal e certamente apropriado numa mesa de petisqueiros -, sumo, um envelope cor-de-rosa forte,
- Não podem abrir ainda!!!,
e, descobri depois, uma esferográfica de cor, um lápis e um quadradinho de massa moldável de cores diferentes para cada um.
Presenteámo-la com um presunto, inteiro!, e um melão casca de carvalho. E eu acho que ela gostou mesmo – dará para excelentes petiscadas!
O melão e o presunto não foram connosco e assim perderam, para além de uma
caminhada que se previa de
- 15km… não sei bem… deve ser mais ou menos isso…(mas que teve de ter um plano B e depois um C, porque os ponteiros correram rápido enquanto que nós - apesar do suor que correu porque afinal o dia até estava quente – corremos mais devagar que as assunções ou as crenças que a organizadora depositara em nós…), uma aventura por serra, mata e sol.
Para além de que:
dentro do envelope cor-de-rosa forte
estava um cartão amarelo forte
para ser preenchido com as canetas de cores fortes
(a minha é azul turquesa e uso-a agora no meu caderno, mas vocês não vão ter maneira de comprovar isso…)
com emoções fortes.
Preparara uma lista com 13+2 perguntas, fortes, que nos foi colocando nas várias paragens que fomos fazendo. Difíceis e exigentes. Obrigaram a neurónios, a memórias, a passar para papel sumo de vida. Gostei.
We are the champions pelo que, where the streets have no name ou, mesmo, onde nem havia ruas, só carreiros, fomos preenchendo sonhos, futuros, passados e incontáveis – lembrei lágrimas e ri-me:
- Depois queimas, não é?
- Não! Como sei que vou acabar demente, vou guardar para todo o sempre!
Esquisita (!...), a senhora…
Suor e verdade: aos 19 anos, tão importante como aos 89.
O almoço esperava-nos a uns mais 4 ou 5 km para Norte, com viagem já de
carro, e eu de regresso a Sevilha.
Foi agradável (bacalhau assado, polvo à lagareiro, costoleta de novilho e
uns petiscos a arrancar), mas já só cantei os parabéns do carro, de novo, mas
sem Sevilha (para usar o altifalante do novo espertomóvel, na altura ainda não
em parelha com o carro), rumo a Sul, porque mais havia para este Sábado e às
16:00 em ponto haveria de estar no Teatro Ibérico – usei pela primeira vez o
GPS e aquela voz que me mandaencostar à esquerda
virar à direita
percorrer 17km
contornar a rotunda
seguir em frente
sair porque já cheguei ao destino, -
mas não obedeço logo: não se interrompe assim uma serenata onde se vive num país livre e se ama e se é amado sem pedir nada, ou quase nada, que não é o mesmo, mas é igual e se é feliz e se pede perdão aos mortos da minha felicidade.
Audição de piano do J., da M. e do F. e de violino da M. Família, muita.
Com prazer, ouvi a perfeição, a tranquilidade e a clareza da M. ao piano.Com orgulho, ouvi o esforço, as falhas, a pressa e o cumprimento rápido, quase imperceptível, do J..
Com vaidade, o que é também um orgulho, mas um outro, vi a astúcia, a confiança e a determinação, mesmo na falha, da M. com seu pequeno violino.
Emocionei-me, com o F.
- De singulares, têm vocês tudo!
…
- Até 2ª, meu amor.
- Até 2ª, meu amor.
“Porque hoy es sábado,
mañana domingo.”
Regressei a Sevilha e percorri o Tejo e subi colinas, objectivo traçado (há-que
os ter, nestas alturas) - Sevilha nos ouvidos do corpo, Chiado nos olhos:
tinham-me já por diversas vezes falado que a H&M
- vende uns ténis para crianças muito confortáveis, frescos e baratos;- tem roupa interior gira e barata!,
pelo que assim foi. Chiado e H&M.
(Uma das vantagens de fumar é que nos faz parar e temos um bom pretexto para ficarmos só a observar. Para além do Chiado, gosto de olhar as pessoas, as suas caras, as suas expressões, onde põem as mãos, os ritmos das passadas, as diferenças.)
Saída da H&M, havia um outro objectivo que tentava esconder de mim, mas que já sabia ser incontornável: casa de banho… junto à FNAC…
Poderia dizer que tinha cometido uma loucura, caso tivesse trazido tudo
aquilo que tive muita vontade de trazer.
Dei por mim, esta semana, a descobrir que gosto de entrar numa livraria, pegar
num livro de poesia, ir abrindo ao acaso e ler. Não seria tal tão estranho se não
tivesse sempre tido dificuldade em ler poesia. Não consigo ler poesia!- Disparate!
ouvi às vezes. Mas é verdade.
Ou era.
Acho.
Estava eu na 6ª feira numa livraria não procurando nada (tinha estado à
procura de um CD para oferecer para ouvir com o melão e presunto, mas não
havia), só passeando, deixando passar o tempo até à hora combinada com as
minhas companheiras de almoço, e dei por mim nesse disparate – abri um livro de
poesia, dois, três, vários, ao acaso, dando uns grãos de importância ao título
ou ao nome do autor, e dei por mim descobrindo-me. Afinal, a poesia não é coisa
que se tenha numa estante e se misture, mesmo que em prateleira à parte, com os
“ainda não lidos” à espera que se pegue nesse livro para levar para a cama e se
adormecer sobre. Afinal, a poesia é para se comer assim como quem não quer a
coisa, qual petisco, azeitona, depenicando aqui, bicando ali, poisando de
novo, para dar uma volta mais por aí, num entretém…
- Mãe, vou ali petiscar um poema e já venho!- Está bem, mas não exageres que a feijoada está quase pronta!
Fiquei de barriga cheia.
Descasquei ene, cuspi alguns, outros achei que tinham pouco sal, demorei-me
a saborear mais um, repeti uns tantos; intercalei com umas feijoadas que
retirei das prateleiras. Temperei-me coma tranquilidade da M.
a pressa do J.
a determinação da M. e
a emoção do F.
e devorei-me.
Saí de lá recomposta de refeição:
- 4 de feijoada para adormecer sobre;- 1 de almôndegas com sabor a banana para lhes dar na 2ª feira;
- 1 de petiscos para debicar.
E, agora, vai mais um pouco da feijoada que restou da semana. Esta é de
comer à colher. Fluida e saborosa. Romancearei com ela.
Vou deixar os petiscos, estes, e outros que para aqui tinha em prateleiras,
espalhados pela casa para quando sinta um ratinho. E, quem sabe, ainda os leve
um dia até Sevilha. Aí, chamá-los-ei: tapas.
“Porque
hoy es sabado.”