Juro por Deus que rezarei.
Garanti-o, por Deus.
Disse:
"eu própria o farei".
Fazendo-o, evito pensar que não creio.
E que odiarei ainda mais se
(mais que uma vez, mais de uma vez)
voltares a falhar.
Sacal et alia
O meu cérebro já sabe o que é, mas há o tal tempo que medeia...
sábado, 28 de outubro de 2017
quinta-feira, 5 de outubro de 2017
triiiiiimmm, triiiiiimmm... os que já vieram...
Triiiiiimmm,
triiiiiimmm
Seria assim que soaria, acaso ainda vivesse há uns anos, ainda recordados.
Estridentes
triiiiiimmm,
triiiiiimmm,
feitos polifónicos, difíceis, por nem recordados, de passar a preto em
branco por letras.
Triiiiiimmm,
triiiiiimmm,
estava na minha mão e o dedo não percorria o ecrã.
Triiiiiimmm,
triiiiiimmm
(o dedo, que não era um dedo qualquer, era o polegar da minha mão direita, teimava
em não percorrer ecrã de esquerda a direita para que se ouvisse voz do lado de
lá do esperto)
Triiiiiimmm,
triiiiiimmm.
Era esperto e avisava quem falaria do lado de lá. O outro, o velhinho
preto, pesado, com ficha de vários orifícios, de vários formatos, auscultador
em que se sabia, à distância, de onde vinha e por onde iriam as palavras de
longes, que hoje já não são assim tão longes, ou assim o queremos crer, não
avisava quem falaria do lado de lá. Não era sempre uma surpresa, porque havia
quem ligasse em hora e dia que, mesmos que não avisados com nome em écran, eram
mais que sabidos que viriam. Exactamente naquela hora e naquele dia.
Triiiiiimmm,
triiiiiimmm
(ele sabia. O polegar da minha mão direita. Era 2ª feira, ele estava junto
do corpo sentado em minha varanda, em amena noite de setembro, aguardava outras
palavras. Estas nem haviam insistido – apenas uma mensagem no 200, o que não
era assim tão fora do comum, vinda de
Pai
que era avisado como estando do lado de lá.
Desapareceram os
triiiiiimmm,
triiiiiimmm.
Vamos dar uns segundos ao polegar, sim?
200
“Rita. Liga-me quando puderes, sim?”
Ele sabia, o polegar da minha mão direita. O resto ainda não.
Pai
“Bom. O que esperávamos que acontecesse na Estefânia há muito, aconteceu.”
“Ok. Dá-me uns minutos e já te ligo de volta, sim?”
Sem
triiiiiimmm
triiiiiimmm.
Nenhum
triiiiiimmm,
triiiiiimmm
nos minutos que se seguiram. Uma vertigem; nada demais. Era o que
esperávamos. E aconteceu.
Pai
“Pressenti-o”, menti. Quem o sentiu, mais que pre, foi o polegar da minha
mão direita.
Há muito que ele o achava quando havia
triiiiiimmm,
triiiiiimmm
não atendidos e seguidos.
Não. Não menti.
Nenhum
triiiiiimmm,
triiiiiimmm.
Ainda não o havia sentido.
Acontecera.
Acontecera? Quando? Há muito.
Achava.
A noite não se descreve; ela escreve-se por si própria. Entre certezas,
acontecimentos e perguntas.
………..
- Tinha tudo guardado no mesmo sítio… onde está o lenço e o terço?
Juntar o fato
– a saia é bem capaz de estar apertada, mas eles já sabem como fazer –,
juntar a blusa, limpar os sapatos, encontrar collants,
- Cuecas. Ela não vai sem cuecas.
Tentar encontrar o lenço e o terço preto e branco. Não encontrar nem o
lenço nem o terço preto e branco. Encontrar outro lenço e outro terço.
(no entretanto, encher o piano de fotos guardadas algures)
Não preto e branco.
Levá-los.
Apenas com um
triiiiiimmm,
triiiiiimmm
Que se recorda, mas não ficará para a história.
……..
Acontecera?
…….
Enterro.
Plano.
Simples.
Carvalho. Sem adornos.
Cerimónia ligeira.
À tarde. Há quem venha de longe.
Antúrios brancos. Não há? Que sejam os verdes, então. Não, os vermelhos
não.
4.
E gerberas. Podem ser gerberas. Rosa.
80 cm.
Pode ficar na horizontal.
Sem foto. Apenas a cruz.
Avé Maria de Bach.
- Está aqui a roupa. Não encontrei o lenço e o terço. Quero esta foto e o
seu nome: Cia.
……..
Acontecera?
……..
Já há tanto que acontecera, não é?
……..
Encontrar amigos. Rever queridos, mesmo que não os tenhamos tratado como
tal há muitos anos. Rever queridos: dos que temos tratado como tal nos últimos
anos. Relembrar idas à Mexicana – 14 anos e foguetes; goiabada e torradas; tão
linda…; abraçar e sermos abraçados; sentidamente. Rir. Sentirem-se lágrimas nos
olhos. Não por ela. Ela já acontecera.
……..
Acontecera?
……..
Ao tempo que acontecera. Tu sabes bem que sim. Não seria por esta vez…
……..
Gerir encontros, dar outros abraços sentidos e senti-los regressar. Tomar
um chá, um café, uma torrada, comer um prego. Encontrar o que vai para o
trabalho, mas que por acaso prefere não ir “lá abaixo”; reconhecer, pelos
olhos, um louco como nós; amá-lo; relembrar a Foz do Porto; falar da(s)
Maricota(s); explicar ligações:
- É minha irmã. Não, não do Fernando Sérgio. Sim, ele tem dois netos. A
Cia? 6. Acho.
Mas acontecera.
Vários
Triiiiiimmm
Triiiiiimmm
Que não se ouviram.
……..
- Vou andando; é um momento de família.
Não entender a frase. Entrar no carro, dar boleia, acenar a quem tem
alergias e não pode ir. Hoje. Estará no 7º dia. Até lá, então.
Haverá
triiiiiimmm,
triiiiiimmm
que nos unam.
Que não por ela. Já acontecera há tanto tempo.
……….
Olhar para ele de longe e ir dar-lhe um abraço.
Descer. Tranquilamente.
Afinal, já acontecera.
……….
……….
- Sim. Tenho de passar.
Sim, tenho de estar.
Sim, tenho de sentir.
Sim, já aconteceu há anos.
Tombar sem o querer sobre a terra, sentir os dedos embrenharem-se na terra,
arranharem-na, ouvir um
- Ela é forte,
que nunca se esquecerá,
e outro
- Sim, ela é muito forte,
que nem se entenderá
………….
Sim. Finalmente, renascendo, se foi.
Como
triiiiiimmm,
triiiiiimmm,
de telefone preto, velho e pesado, com cabo enrolado, ficha de vários
formatos, em que é preciso discar para se ser ou levantar para se ouvir.
Que não mais tocará.
………….
Triiiiiimmm.
Triiiiiimmm.
………….
terça-feira, 5 de setembro de 2017
…pero que los hay los hay
Eles existem. Não creio (crendo neles) que tenhamos necessariamente de os
matar.
Mas é fundamental aprendermos a viver-nos com eles.
É verdade que não estão sempre ali ao nosso lado. Mas é importante conhecê-los
bem, sentirmo-nos à vontade para os tratar por “tu”, se possível até pelo seu
próprio nome, para os momentos em que resolvam (re)aparecer.
Quando nos visitam, há que entabular conversa amena com eles. Perguntar se
está tudo bem; qual a razão da sua visita; porquê o encontro naquela dia e,
quiçá até, tão fora de horas; recordar sentimentos passados em conjunto;
partilhar os vividos em separado. Pelo nome. Tu cá, tu lá.
Mas, acaso ele se engrandeça, não temer.
- Olha lá! Tens de ter a noção que, acaso eu resolva decidir-me a tal,
dou-te uma traulitada tal que vais desta para melhor, entendes? Já o li, já o
vi, já o ouvi e já o senti, pelo que sei exactamente como o fazer. Ah! E já o
FIZ antes!!! Tu és um MEU fantasma!
Tentar apaziguar as hostes e, se atingido um entendimento comum, dar-lhe um
beijo, um abraço forte de quebra-ossos
(ups, não encaixa aqui muito bem… mas é expressão a que já me habituei tanto que vai ficar mesmo),
atirar-lhe um “não gosto de ti, não, mas aprendi a viver-me contigo”, apagar a luz e continuar.
(ups, não encaixa aqui muito bem… mas é expressão a que já me habituei tanto que vai ficar mesmo),
atirar-lhe um “não gosto de ti, não, mas aprendi a viver-me contigo”, apagar a luz e continuar.
Não creio que tenhamos necessariamente de os matar.
Mas podemos sempre fazê-lo. Isso sim.
sexta-feira, 7 de julho de 2017
Pode até ser normal, mas…
(Este, não foi escrito hoje. Aliás, hoje tenho é saudades. Até das angústias. Parece-me algo absolutamente normal. Sei eu.)
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“É normal”, dizem todos (não assim tantos) a quem falo. Está bem, eu até
aceito que seja “normal”. E, quando olho para trás, para o “meu tempo”, até
encontro semelhanças ou pelo menos pontos de contacto. Da normalidade.
Mas, quando olho para trás, mas não assim tanto, também me recordo de
chegar “a crise do pré andar” (em mês que depende da cria) e, apesar de termos
lido algures (ou ouvido algures) que “é normal” que tenham maiores ataques de
choro ou dificuldades em adormecer, por estarem prestes a dar um passo enorme na
sua pequena vida e se sentirem frustrados, não significa que não tenhamos tido
mais paciência, que não tenhamos dado mais carinho, que não nos tenhamos
reduzido às suas dificuldades. E que não tenhamos vivido com enorme prazer o
momento em que, finalmente, o conseguiram.
“As birras dos dois anos”. São “normais” – os tipos descobrem que têm poder
e que podem usar esse poder e, claro está, que usam e abusam dele até à nossa
exaustão. Não só nossa, estou em crer, também a deles. Bem me lembro de noites,
meses largos, em que não havia nada que funcionasse - “Já para o quarto contar
até 10!”, “Já para a cama e não penses em levantar-te!”, “Se voltas a sair da
cama, a mãe sai do corredor e vai para a sala!”, “Não, o pai não vai aí, M.!
Tens de dormir!”, “O que é que estás tu aqui a fazer?”. Foi luta dura (NÃO é
igual para todos, mas nós vamos procurando/questionando, conforme nos vamos debatendo), mas conseguimos. Era “normal”, constava de Brazelton e tudo.
Mas não deixámos de fazer braço de ferro, de aconchegar antes do arranque da
birra e de aconchegar também, já adormecida. Com cuidado… não fôssemos
regressar horas de exaustão atrás.
“Não quero ir à escola!”, “Não vou à escola!”, “Dói-me a barriga… tenho de
ficar em casa. Até devo ter febre.”, “Daqui não saio!”, “Não adianta
obrigares-me! Eu NÃO vou!”, em idades díspares, em momentos díspares, mediante
ansiedades díspares – 1º dia de…, 2ªa semana depois de uma primeira em que se
sentiam fortes…, dias em que nem se entende bem a causa real da ansiedade…
Foram sempre. Por vezes quase fomos cruéis e saímos de algures de coração
apertado. Mas foram. E receberam abraços à chegada. E muitos beijos e palavras
de vitória ou mesmo de compreensão.
Portanto.
Por que razão, a partir de certa altura, passa tudo a ser “normal” e a ser
suposto não nos intrometermos? Sermos até apontados? Na verdade, sentirmos nós
uma quase “vergonha”? Já bem bastam todas as dúvidas e incertezas que nos (a
todos, a nós e a eles) assolam, não? E será este O momento crítico ou será
apenas porque o estamos a viver no presente?
Serão eles (os pré adolescentes, cada vez mais cedo adolescentes) que nos
abandonam, ou seremos nós que começamos a ausentar-nos? Por ser “normal”? Ou
será uma conjugação de ambos? Como as conjugações de astros?
Não somos amigos. Somos pais. O “normal” não deve ser absolutamente normal.
Acho eu.
quinta-feira, 6 de julho de 2017
"forgive and forget"
Em jovem (na verdade, eu era a mais nova), em aula de inglês, o tema
para discussão foi “forgive and forget”. Ao contrário de outros muitos temas e
convicções que se foram alterando nestes anos, não alterei (ainda?) o que então
discordei. Por sermos seres racionais, conseguimos, efectivamente, perdoar (os
cães, aqueles animais de que tanto gostamos e que teimam em nos serem fiéis,
não perdoam – simplesmente regressam). Aliás, até esquecemos ter perdoado. Por
sermos biológicos e com espaços no cérebro que nos ocupam mesmo não nos
apercebendo, não esquecemos, propriamente. À parte o “alemão”, infelizmente tão
conhecido de tantos (menos daqueles que realmente o vivem). Apenas não nos
recordamos com martírio. Deixa de nos aparecer em sonhos. Deixamos de palpar.
Porque, para perdoarmos, foi porque houve um percurso entre o momento em que
nos magoámos e aquele em que perdoámos. Se não tiver existido esse percurso,
apenas regressámos. Como o cão. E, tal como nos lembramos dO momento, também
lembramos o percurso. Para além do Amor. Esse não entra automaticamente aqui.
Perdoar não pode ser passe de mágica.
quarta-feira, 14 de junho de 2017
Sobre (o alargamento de) prazeres
Por mais
verdadeiros e transparentes que sejamos, nem sempre queremos que os nossos
prazeres sejam do conhecimento alargado. Não por poderem ser ilegítimos ou
atentarem a qualquer bom costume (“bom costume” é expressão que nos poderia
levar bem longe, em texto, mas não cabe tudo aqui e há que ser minimamente
assertivo ou os leitores rapidamente mudam de página; neste caso, fazem
discorrer dedo ou rato mais para baixo); apenas porque não queremos. Haverá
muitos “porquês”, possivelmente agregados “por grupos” e até alguns que são
apenas nossos. Mas não têm espaço neste texto.
Vou dar um
exemplo e tome-se apenas como exemplo: há quem retire um enorme prazer da
refutação escrita. Também com a outra, a falada, mas pode dar-se o caso de
encontrar em modo lido algo que, por diversas circunstâncias, puxe mais pela
escrita. Fá-lo quase de urgência e utiliza-o, não apenas pelo prazer de refutar
outros, mas porque, ao fazê-lo, entra em exercício de reflexão “para dentro” e
acaba também por se refutar a si próprio. É bem capaz de, por vezes, partilhar
essa reflexão. Mas, por entrar demasiado dentro de si, não o faz com a verdade,
transparência ou abrangência que lhe são sobejamente reconhecidas.
Não temos de
partilhar tudo com “todos”. Confesso que sinto arrepios quando vejo desabado em
FB um momento de sofrimento que não caiba dentro de alguma opinião “pública”.
Eu, quando sofro, nem me lembro que esta coisa existe (esta frase não é
totalmente verdadeira, mas diz respeito a momentos de sofrimento-só e
permito-me mentir descaradamente, pelo propósito do texto – muitas vezes
incoerente, bem sei).
Não vou dizer que
não é útil e que serve por vezes propósitos interessantes (bolas! Como não
suporto esta palavra; deve ser um indício escondido…). Mas, como devemos reagir
quando, no espaço de breves minutos nos deparamos com
- poemas lindíssimos
que pecam por estarem sempre associados a imagens que só servem para captar
olhos desatentos e sem ligarem sequer à palavras que as precedem
seguidos de
- notícias de violência
doméstica (seja ela numa casa, num país ou pelo Mundo)
seguidas de
- apontamento
humorístico brilhante sobre qualquer hipocrisia do mundo (eu adoro rir e penso
que rir de nós próprios é um excelente exercício)
seguido de
- fome,
necessidades extremas, necessidades que, não classificadas como extremas,
deviam ser vistas como tal; mas já nos tornámos insensíveis e já só vemos
necessidade se virmos, a acompanhá-la, barrigas inchadas, corpos de crianças
boiando, fotos de pais que choram, esventrados ou rebentados, idealmente, com
um membro para cada lado; e que tenha imagem, bem chocante, a acompanhar o
texto
seguidas de
- “veja aqui qual
a sua profissão de sonho”, onde reconhecemos publicações de tanta gente que já
muito deu trabalhando naquilo que não foi “escolhido” como seu sonho, mas onde se embrenhou, talvez até
com vocação de início, mas caindo depois nas malhas do “necessário”, do “não
posso deixar isto”, do “pois… mas tem de ser.”; infelizes naquilo que mais lhes
ocupa os dias depois dos dias
seguido de
- centenas de
mortos após tentativa de resgate de uma embarcação ao largo de…
seguidos de
- todas as receitas
da Bimby!
seguidas de
- dezenas de
mortos em ataque no…
seguidos de
- “Parabéns!” –
já nem me lembro bem da tua cara, mas esta coisa disse-me que fazias anos
seguidos de
- burlões,
chantagistas, aldrabões, potenciais vencedores em seus mundos de mentira
seguidos de
- excertos de
livros que nos tocam; que sentimos mesmo sem comentar
seguidos de
- votos de
pêsames por alguém que lutou por outros e que acaba de se ir
seguidos de
- fotos de
paisagens, pessoas ou momentos Belos; ou engraçados
seguidas de
- avisos para
concertos ou exposições ou inaugurações ou festas, que serão muito bons, em que
até nos atrevemos a premir o “com interesse”, mas em relação aos quais já
sabemos que não iremos, porque, porque, porque…
(e, se aqui
continuasse, não mais daqui sairia; não porque o mundo esteja todo aqui, longe
disso, mas porque já há tempos que venho escrevinhando sobre o tema e todos os
dias me ainda surpreendo).
Tentando não me
perder no texto, às vezes, pura e simplesmente, não queremos os outros dentro
das nossas refutações. Nem nas dores nem em todos os prazeres. Quando não temos
a quem mais recorrer e precisamos (porque é uma necessidade) escrever, criamos
Sacais. Há períodos em que os deixamos em modo de “espera”. Mas não os
esquecemos. E, quem sabe?, talvez nos contradigamos num futuro e ficamos
pensando nisso e até apostamos connosco que tal ocorrerá, porque existe lá
coisa mais saudável do que nos desafiarmos para benefício de Nós, enquanto Nós
Com Os Outros? Só Entre Nós… claro.
segunda-feira, 15 de maio de 2017
Sobre (algumas) dores
São as experiências da vida que nos vão ensinando o que dói.
Dar um chuto com o dedo mindinho do pé direito ao passar pela porta da
varanda exactamente um dia após ter dado um chuto com o dedo mindinho do pé
direito no móvel da entrada (a quem nunca aconteceu???), dói.
Dores de rins. Idealmente com febre alta que não se consegue baixar abaixo
dos 38,5º (e essa, até é a temperatura em que nos sentimos bem) e que dura uns
consecutivos, sei lá, 3, 4 dias, até que começa por fim a acalmar (em dia de
aniversário de filho; até hoje acho que foi milagre dele, até porque era data
limite de internamento). Ai dói, dói! Chiça!
Dores de rins. Mas não por infecção renal, mas sim porque, simplesmente,
estamos com o período. E temos 12 anos, 13 anos, 14 anos, 15 anos, 16 anos (não
vou aborrecer e saltarei umas décadas) e eis que lá se vão, ou, pelo menos, as
que aparecem, já nem são dignas de frase. Como doíam…
Não conseguir abrir os olhos; sentir que toda a luz é um inimigo que ataca
mesmo sem estratégia estudável e defensável; tic-tac de relógio passa a
explosão seguida de explosão um segundo depois, que nos entra pelo pulso e
salta rapidamente para a cabeça, onde se havia instalado a enxaqueca. A que
dura horas a passar e às vezes até nem passa, transforma-se apenas em moínha
por umas poucas de horas, mas nós sabemos que ela lá está. Dói e, pelo amor que
me têm, por favor vão-se! Hei-de regressar.
DENTES! Não podiam aqui faltar os dentes, claro! Já foram até alvo de um
texto por aqui. Não o dente, mas a sua alma. Quase me tornei crente! Pela dor!
Otites! Lembro-me de ver, tão claro como água, os dedos da minha mão
escarafuncharem minha orelha, meu ouvido, tímpano dentro, quase até ao cérebro,
e arrancar todas aquelas peças do meu corpo, mesmo que tal me desfigurasse,
qual Van Gogh, para todo o sempre. Com a esperança (mais tarde pensada; nunca
naqueles momentos) de haver ao menos alguém que o musicasse. Um hino à dor.
Ficar uns dias em que só conseguimos passar da cama para o sofá e do sofá
para a cama, eventualmente fazendo desvio para a casa de banho, mas em modo
90º, porque já nem sabemos identificar com precisão onde nos dói, porque ele é
a lombar, os dois joelhos, a cervical, o ombro direito, o tornozelo esquerdo, os
pulsos e cotovelos (isto, atrevidamente, mais parece uma canção do Sérgio
Godinho, mas não me apetece dizer “estou velho!”, ou, neste caso “estou velha!”,
pelo que não me debruçarei por todas as “conclusões” do tema, que até é a parte
da música de que mais gosto; pela velocidade, claro). “E onde dói, mesmo?” “Em
todo o lado, Sr. Doutor…”
Uma canelada bem dada, também dói como o raio. Acredito que uma chapada
também. Mas as que recordo, não foram em face.
Parir um filho de surpresa (possivelmente, sem surpresa poderia ter sido
semelhante, mas dá um toque especial ao texto), em terra longe, sem epidural e
este ter o cordão umbilical curto, dói para caraças (e, “caraças”, é porque
hoje estou bem educada, como já deverão ter percebido).
Parir uma filha, sem surpresa, cesariana, mas com epidural a ser eficaz
apenas num dos lados do corpo (neste caso, recordo bem, apenas do lado esquerdo
– aliás, até ver a costura, fiquei sempre a achar que a minha filha tinha toda
ela saído apenas do meu lado direito do corpo), não dói tanto como caraças, mas
aproxima-se de outras máscaras. Ao menos, lembramo-las. E conseguimos encaixar
o prazer no meio.
………………………………………………………………………………………………………………………………………………………
São exemplos de dores. Aquelas de que me lembrei esta noite de 15 de Maio,
Primavera de 2017.
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Na verdade, comecei por outras…
Mas o texto já vai dorido demais…
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