Ontem, fui fazer um curso chamado “Desformatar através da escrita”. Tenho
sempre alguma relutância em chamar “curso” a estes “encontros-de-pessoas-que-nem-se-conhecem-bem-e-que-aderem-a-desafios-só-porque-têm-alguém(ns)-a-pressioná-los-e-pelos-quais-se-paga”
e estive até há pouco para tentar descobrir uma expressão mais curta que
pudesse utilizar.
Ontem, participei num passatempo de desformatar pela escrita.
Foi giro (ri-me várias vezes) e passei o tempo (que na última semana estava
difícil de fluir, razão principal que me fez inscrever neste passatempo, razão
que não terá sido tão simpática como as que foram apresentadas, quando
questionadas, pelas restantes participantes – éramos todas mulheres -, mas que
era a sincera, pelo que tão válida como as outras, as quais deambularam muito
pela palavra desformatar, que é, efectivamente, interessante).
Após vários exercícios de passagem do tempo em que brincámos com palavras,
sons, tactos e observação, já na recta final, tivemos de apresentar um cartaz que
construíramos com recortes de jornais e revistas.
Não vou falar do meu; até porque, só no instante iminente da sua
apresentação, me apercebi que era suposto ser um cartaz e que teria de o
apresentar aos restantes passatempeiros. O meu espanto foi tanto (nestes
passatempos mostro-me quase toda, pelo que não escondi que não tinha ouvido
grande coisa do “enunciado”), que fui indigitada para ser a primeira.
Levantei-me, pespeguei o papel com recortes no quadro, olhei para ele para
ver que tema estaria ali (para além do “eu”, já que tinha sido eu a escolher o
que recortara e colara) e decidi apresentar Caos.
Regressando…
Uma das passatempeiras, mais nova que eu uns 10 anos, mais coisa menos
coisa, muito bonita, expressiva, portuguesa ex-estudante em Londres e
brevemente emigrante na mesma cidade, certamente curiosa e talvez um pouco anacrónica,
sem dúvida sensível, fez um cartaz em que abordava, entre outras coisas, o
excesso de informação dos dias de hoje; o olhar sem observar.
No final, deveríamos colocar questões, debater, enfim, passatempar.
Adoro. Tive algo a questionar ou a apontar em todas – uma das vantagens de
não conhecer as pessoas de lado nenhum e de saber que depois é só um “até à
vista” sem significado nenhum, é que nos tornamos muito mais atrevidos,
desligados de hipóteses de reacção.
Perguntei:
- Em relação ao excesso de informação, achas que o problema é exactamente
esse, ou é mais o que as pessoas fazem (ou deixam de fazer) com ela ou por
causa dela?
Respondeu:
- Claro que o problema está sempre nas pessoas e na sua incapacidade de
filtrar a informação.
Falou-se mais um pouco sobre o tema, ainda tomei a palavra uma vez mais,
tentando puxar para a educação, mas o tempo apertava (estávamos em vias de
passatempar 1 hora para além do previsto/pago e ainda faltava a que já era a
minha preferida passatempeira) e o meu cérebro estava a funcionar, mas muito
mais rápido do que as palavras se desformatavam pela boca.
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Passatempar não é mesmo que sacaletaliar. O primeiro exige grande parte das
vezes a existência do outro. Às vezes prefiro-o: porque gosto de ser
contestada, adoro discutir; mas, no segundo, tenho mais tempo para o eu e para
as palavras do eu – embora tente não dar demasiado tempo ao cérebro, por tender
para o novelo, para a ex-formatação.
O que eu queria discutir era algo como – antigamente, tipicamente antes da
internet e das redes sociais – a informação existente também era imensa. Mas
dificilmente encontrávamos quem dissesse que havia excesso de informação.
Porque era preciso querê-la. Procurá-la.
No hoje, ela é-nos bombardeada, vem ter connosco. A que até nos desperta
curiosidade, mas também toda a outra.
E desaprendemos de procurar.
Quanto mais não seja porque despendemos tanto do nosso tempo a assimilar
(muitas vezes, apenas olhando, como disse a M., e sem nos preocuparmos em
observar) a informação que chove a cântaros sobre nós, que deixamos de ter
tempo ou energia para procurarmos a informação que efectivamente queremos.
Ou seja (nestas próximas frases vou tentar descomplicar – já percebi que me
enovelei, de novo -, tentando não cair lacónico, "o problema são as pessoas"):
Eu acho óptimo ter tanta informação à minha mão. É uma revolução! Uma
revolução absolutamente maravilhosa e que os nossos netos, se não os nossos
filhos (já que o ensino tem tendência para também andar um pouco anacrónico)
hão-de estudar esta revolução.
Eu acho óptimo que, quando me deito e estou cansada demais para ler, mas
não consigo adormecer, possa premir um botão e deambular por títulos sem jeito
nenhum, dando apenas ao polegar.
Eu acho absolutamente extraordinário o que tenho feito conforme leio o
livro que me tem acompanhado nos últimos tempos, pejadinho de referências a
escritores, a obras, a movimentos, a épocas de história, a aspectos de
geografia, o que me tem suscitado curiosidade - viro-me para o lado, digito o
que quero e uma wikipedia vomita o que já se disse sobre o que pesquiso.
É absolutamente espantoso. Uma mais-valia soberba que estou a ter o
privilégio de viver.
E não acho que o problema maior seja as pessoas não filtrarem a informação
que têm ao dispor.
Acredito que seja, à semelhança de sempre, uma questão de educação, de
crescimento. Quero que os meus filhos cresçam com capacidade de questionar; com
capacidade de procurar se se sentirem curiosos; com capacidade de estudar. Como
o desejaram tantos pais e professores e avós e amigos em tantas outras
gerações.
E com a vantagem de viverem hoje e amanhã.
PS – Não vou falar dele, mas deixo-o aqui. O meu caos. Uma das perguntas
que me fizeram depois foi:
- Acreditas no Pai Natal?