sábado, 15 de novembro de 2014

O que ela diz e eu fico a pensar…



…que gostava de ter uma máquina que pegasse nas palavras que acabara de ouvir e seguisse seus fios invisíveis até ao interior do cérebro que lhes deu origem e pesquisasse a sua origem e o seu porquê e o seu “como raio é que estas coisas saem daqui…”, o “o que esteve na origem disto…” e cuspisse cá para este lado a resposta, mesmo que incompleta, mesmo que codificada, a cada uma destas perguntas.

 

Estávamos no carro, chovia ao de leve, íamos a caminho da escola depois de termos deixado o João na escola dele. Falávamos da forma das gotas coladas ao vidros e de ligeiras curvaturas e de outras maiores e de a Terra ser redonda.

 

Quando:

M: “Eu nasci a gostar da Nêga.”

Eu: “Como?” – eu tinha ouvido as palavras, tinha tinha.

M: “Eu nasci a gostar da Nêga. Por isso não gosto que ela tenha morrido.”

 

A minha filha é a maior do Mundo



Um metro e cinquenta é a largura da minha cama.

E já tive menores…

E, nelas, costumam caber, com algum à vontade, eu própria, dois sapos de peluche e algum corpo mais, de uma maneira geral maior que o meu próprio, excepção feita a fases deste de, digamos… maior volume.

E consigo dormir sonos profundíssimos.

A minha filha deve ter, medidos entre as extremidades mais afastadas, uns trinta centímetros por um metro e pouco.

Não entendo, portanto, como é possível que nas raras noites em que me acompanha no leito, eu passe a noite a acordar do meu não tão profundo sono, precipitada do limite do meu colchão de, um metro e cinquenta, abaixo!

Só pode mesmo ser porque a minha filha é a maior do mundo… Lit-eralmente falando.

 

domingo, 2 de novembro de 2014

Dobras: “A Boneca de Kokoshchka”, de Afonso Cruz e “A Estrada”, de Cormac McCarthy


E, questionam-se alguns, o que raio tem a estrada a ver com a boneca???

Respondo eu: Nada.

Nada?, perguntam-me.

Nada. Ando preguiçosa (ou outra coisa qualquer que aqui não exporei por banal e sem jeito nenhum) e resolvi misturar o imiscível por terem sido os últimos que dobrei.

Um, dobrado em tantas que não conseguirei aqui expor; outro, quase nada dobrável, em físico.

Um, para quem de fora veja, em capa e contracapa; outro, um quase-nada quase imperceptível.

Porque não são elas que comandam aquela sensação de livro fechado e completo e, contudo, com aquela sensação de incompleto em simultâneo que é aquela que nos faz olhar para eles na estante e dizer: dêem-me tudo o que tenham para me dar; quero sugar-vos até ao tutano não findado. Pelas palavras (uns); pela intensidade (outros).

Uma grande diferença: ao terminar “A Estrada” disse-me: “não quero saber se o filme nunca está a par do livro; este, eu nunca verei, por incapacidade de interior.”

 

“ – É a maneira como os vejo. Tu vês de uma maneira e eu de outra. É assim que nós somos milhares de corpos diferentes. O nosso corpo depende muito dos olhos dos outros. Se pudesses juntar todas as opiniões sobre ti mesma, estarias muito perto da Visão de Deus.
- Quando olho para a pintura, não entendo se estou retratada de lado ou de frente. Vejo as minhas duas mamas, que parecem uns olhos muito abertos. Não me parece real.
- O que não é real é retractar as coisas somente por um ângulo. Quando penso em ti não é só de frente, ou apenas deitada, ou de costas, ou a andar. A verdade tem muitas perspectivas. Se nos limitamos a uma, estamos muito próximos do erro absoluto.
- Os meus olhos parecem dois peixes.
- É porque vemos o mundo de dentro de um aquário.”
in A Boneca de Kokoschka, de Afonso Cruz.

 “Ele desconfiava de tudo isto. Dizia que os sonhos apropriados para um homem em perigo eram sonhos de perigo e que tudo o resto era o chamamento do langor e da morte. “
[…]
“Nem todas as palavras prestes a morrer são portadoras da verdade e a bênção que proporcionam não é menos genuína por se ver privada dos seus fundamentos.”
[…]
“Parecia-lhe bem possível que, na história do mundo, houvesse mais castigo do que crime, mas isso não lhe proporcionava grande consolo.”
[…]
“Por isso, sejamos parcimoniosos. Aquilo que alteramos nas recordações também tem a sua realidade, conhecida ou não.
[…]
“Na não a acredito em nada disso. Deixei de acreditar há anos. Onde os homens não conseguem viver, os deuses não têm melhor sorte.”
in A Estrada de Cormac McCarthy

CAM


Entrei no CAM meio de surpresa. Lançaram-me um desafio de Gulbenkian e eu pensei: “Sol. Jardim. Memórias. Passeio.” Eu até estava a pensar era em ir ao cimena!...

Vi-me à porta do CAM, onde já não ia desde a exposição de Amadeo de Sousa Cardoso há uns meses (e, antes disso, há uns anos) – 1º Domingo do mês: entrada gratuita.

Não fazia ideia ao que iria, o que veria; apenas fui entrando.

Aqui para nós, tenho uma relação com a pintura um pouco estranha. Porque já percebi que muitas vezes depende do meu estado interior o que assimilo no interior face ao que está ao alcance do meu exterior. E o exterior não muda: pelo menos, em geral, embora hoje em dia tudo possa acontecer.

Entrei pela estação do Cais do Sodré e lembrei-me logo deles. São um interno que teima em estar presente face a qualquer externo.

Entrei na 1ª sala, mirei a 1ª obra à esquerda e logo, logo o meu olhar se fixou no corredor do meio, ainda ao longe e que eu sabia que não seria o percurso que iria seguir no imediato. Mas quedou-se-me.

Fui adaptando o meu interior face ao meu exterior, tentando abstrair-me do sol e do jardim e das memórias e do passeio e deixando que meu corpo se entranhasse no facto que era estar no CAM, a ver, a observar e não noutro sítio qualquer.

Não foi à primeira, nem à segunda, velocidade rápida como acontece quando este está em vários lugares. Aos poucos se alentando, aos poucos absorvendo, mas sem encanto.

Primeiro corredor, primeiros cubículos, primeiras obras, seguindo até ao fundo, dando meia volta e entrando.

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Eu ainda não percebi se são os nomes que constroem o nosso interior ou se é o exterior que se mete por dentro do nosso interior. Mas, entrada naquele 2º corredor, já vislumbrado de longe e, agora, admirado de perto, finalmente entrei. No sol, no jardim, nas memórias, no passeio. E era o corredor dos nomes. Daqueles com que já nos deparámos. Mesmo que não associados às imagens. São os que ficam e pensamos connosco que não pode ser um acaso que sejam estes que puxam nossos olhos como que chamando por nós.