Semana Sim, Semana Não.
Semana Sim, acordamos cedo, ligamos o rádio. Se não tivermos ficado sem luz,
deixamos na Antena 1; se na véspera
ficámos sem luz, porque nos distraímos e ligámos o aquecedor do quarto deles e
o da sala para o jantar e o micro-ondas que o aquece e o secador de cabelo para
ela, fazemos um esforço para encontrar a Antena
1 e sabemos que programas vamos ouvir.
Semana Sim, saltamos da cama, objectivos traçados, abrimos as janelas para
fingir entrar uma claridade que não entra, porque é cedo, porque é Inverno,
porque chove, mas fingimos que ela entra e que torna os seus acordares mais
suaves e, enquanto os seus não acordares vão des-aparecendo, preparamos lancheiras
para eles – dois líquidos, dois sólidos, fruta -, suavemente re-entramos no
quarto
- olá princesa… que queres para o pequeno-almoço? Papa? Está bem, a mãe vai
preparar, mas vais ter de ir acordando…
- olá meu amorzinho, dormiste bem? O costume? Leite ou iogurte? Bolachas de
chocolate acabaram ontem… Está bem, podem ser daqueles palmiers mini. Tens de ir acordando, sim?
Semana Sim, tomamos o pequeno-almoço juntos, lembramo-nos dos comprimidos
para o estômago, para o SPM, para o humor; e o raio da pressa que, mesmo quando
não há, teima em não fugir, ao contrário da claridade que teima em não entrar…
Semana sim, preparamos as roupas que pomos no aquecedor para aconchegar os
corpinhos ensonados e preguiçosos
- hoje tenho educação física
- hoje tenho violino
- hoje tenho dança
- hoje está a chover
fato-de-treino, violino, caderno de música, mochila do ballet, guarda-chuva,
saímos à pressa, porque não olhámos para o relógio e julgamo-nos atrasados,
quer estejamos, quer não, estamos sempre atrasados,
- até logo, Natálio!
tentamos lembrar onde está o carro, nunca falhamos, entramos no carro
- meninos, cinto
já estamos a chegar ao colégio
- mãe, só agora é que pus o cinto
- despede-te da tua irmã,
um abraço,
- diverte-te!
Esperamos vê-lo entrar no prédio, entramos no carro, TSF ao longe, mas nem a ouvimos
- hoje está mais trânsito, a ver se a carrinha do Minipreço não está parada
em 2ª fila, como é costume,
- mãe, não precisas olhar que eu digo-te quando estiver verde!
Estacionar, junto à escola; tira mochila, tira violino, tira lancheira, cuidado
com os carros, vai pelo passeio, atenção ao guarda-chuva
- fica aqui até te dizer adeus!
- claro! E diverte-te!
Semana Sim, chegamos sempre à mesma hora ao trabalho, ainda tentamos chegar
um dia mais cedo, mas descobrimos que a escola ainda está fechada às 8:00 e
aproveitamos e, por uma única vez, sem pressas, vamos ao café com ela e tomamos
um segundo pequeno-almoço, enquanto fazemos aquela meia horita e somos, ainda
assim, os primeiros a chegar.
- Bom dia, Dona Conceição.
- Até logo, Dona Conceição.
Semana Sim, damos o nosso melhor, saímos a tempo de os ir buscar à música, ou
a tempo de a ir buscar à dança, ou a tempo de ir ter com ele antes da hora da
Mia, ou a tempo de a apanhar antes que a escola feche.
- Olá Natálio!
Semana Sim, orientamos o banho, orientamos os têpêcês, treinamos desenho,
apontamos falhas, apontamos sucessos, questionamos sobre a cor das bolas do
comportamento, perguntamos o que aprenderam, perguntamos o que brincaram, preparamos
o jantar, ouvimos ao longe o piano e até opinamos, seguramos as pautas do
violino, aprendemos sobre queixeiras, pomos a mesa, jantamos juntos, na mesa da
sala, ouvimos música, jogamos jogos de palavras, aguentamo-nos com o cansaço
que se instala e cresce com os dias da semana Sim, levantamos a mesa, separamos
em “lixo orgânico” e “lixo reciclar”.
Semana Sim, gritamos para que lavem “dentes, mãos e cara”. E xixi e vistam
o pijama, enquanto lavamos a loiça do jantar que teve sopa e prato e fruta e,
em dias raros, uma goma, um bombom, um quadrado de chocolate.
Semana Sim, contamos uma história ao adormecer, fazemos planos para o fim
de semana, que vamos cumprir, ou que vamos falhar porque surgem novos planos
para o fim de semana, apagamos a luz
- 10, 9, 8, … - dez beijinhos e “descolar para dormir e sonhar com…”
- 1, 2, 3, …, infinito, dezero – mais beijinhos e “descolar para dormir e
sonhar com…”
Semana Sim, ele adormece num ápice, ela
- vai, fazes uma coisa e vens.
- Maria, já sabes que a mãe vem sempre dar-vos um beijinho antes de ir
dormir. Vá, agora dorme e não fales alto que o teu irmão já dorme.
Semana Sim, aterramos no sofá, vemos o Facebook,
ou vemos televisão, ou vemos os e-mails
ou vemos o trabalho, ou vemos o tecto, levantamo-nos, “dentes, mãos, cara”. E
xixi e vestimos o pijama, damos beijinhos ou nem sempre damos beijinhos, pura e
simplesmente acendemos a luz do quarto deles e vemo-los a dormir, ajeitamos os
cobertores, damos uma festa e damos a volta e pomos o despertador, sempre para a
mesma hora, e nunca nos lembramos que a luz faltou e o rádio não está no 95.7.
Semana Sim, temos rotinas e os dias não são rotineiros.
Semana Sim, semana Não.
Semana Não, acordamos a horas diferentes. Porque temos uma reunião às 8:00.
Porque temos uma formação às 9:00. Porque não temos nada marcado. Porque de
véspera nos decidimos acordar cedo, mas premimos dispensar até mesmo à última da hora, altura em que nos decidimos levantar e decidir que vestir. Ouvimos sempre a Antena 1, porque não ficámos
sem luz, porque nem nos lembrámos de ligar os aquecedores e, se sim, não houve
micro-ondas, não houve secador, não aquecemos o do quarto deles nem a sala. Nunca
sabemos bem o que vamos ouvir.
Semana Não, abrimos as janelas para fingir entrar uma claridade que não
entra, porque é cedo, porque é Inverno, porque chove, mas fingimos que ela
entra e que torna os nossos acordares mais suaves, vamos directos à cozinha, esquecemo-nos
do estômago, do SPM, do humor; não tomamos o pequeno-almoço, engolimo-lo.
Semana Não, nunca nos lembramos onde estacionámos o carro de véspera e
viramos à direita quando devíamos ter virado à esquerda e não nos lembramos
sequer de trazer o guarda-chuva, na verdade, nem sabemos onde está e damos a
volta ao quarteirão e perdemos mais 5 minutos e chegamos encharcados ao carro,
mas não interessa.
Semana Não, nem sempre deixamos na TSF,
depende da hora, por vezes ouvimos um disco, o silêncio existe, chegamos num
instante ao trabalho, chegamos antes da hora ao trabalho, damos o nosso melhor
e não temos nem queremos ter hora para sair.
Semana Não, não comemos sopa, não comemos fruta, comemos o que haja, quando
haja, onde haja, deixamos a louça amontoar-se, não queremos saber do lixo, aterramos
no sofá, vemos o Facebook, ou vemos
televisão, ou vemos os e-mails, ou
vemos o trabalho, ou vemos o tecto, fazemos planos para o fim de semana que não
vamos cumprir, levantamo-nos, “dentes, mãos, cara”. E xixi e vestimos o pijama.
E cama.
Semana Não. Não há rotinas. Tudo é rotineiro.
Esta semana, e após um período de cerca de 4 meses em que estive inscrita 3
meses num 1º ginásio que nem cheguei a saber onde fosse e 1 mês num outro
onde ainda não tinha tido motivação para ir, aproveitando uma semana sem as
crianças, uns 15 quilos a mais e alguma motivação associada a terceiros e a mim
própria, lá me decidi ir fazer a minha avaliação personalizada ao dito… ao
ginásio.
- Bom… vou então traçar-lhe um plano de treino, tendo em conta os objectivos
que me deu. – disse o João.
- Tudo bem. Mas só tem é que ter em conta que eu só posso vir semana sim
semana não.
- Ah, é por causa de crianças, é? Quanto são? Como se chamam?
- Sim, é. São dois. O João…
- Lindo nome!
- … e a Maria
- Ok, vamos então a isso. Vou traçar-lhe, então, um plano a partir de hoje e
durante 2 meses para depois fazermos uma re-avaliação, sim?
- Sim, está bem.
- Vou, então, traçar-lhe um plano semana sim, semana não. Ora, tendo em
conta que está aqui hoje, imagino que esta seja uma semana sim, não é?
Semana sim, semana…