sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

formações-orgânicas-carnosas


Meus queridos (eu ainda vos chamo queridos, mas, a continuar assim, não sei se isto se vai manter por muito mais tempo).
Eu, sinceramente, não percebo. Durante todo este tempo em que temos convivido proximamente, é raro ouvir-vos queixar…
Quando me ajudam com sacos de livros, malas, móveis, alguns até de madeira, piano aos pedaços, sacos de compras ou outros objectos de maior ou menor envergadura que acarreto escada abaixo e escada acima, fazem-se de essenciais e ficam bem caladinhos.
Lembro-me, perfeitamente, de umas quantas ocasiões em que carreguei qualquer um dos meus filhos, ruas fora, escadas acima, corredor fora e, até, para cima do beliche. Não, aí estavam presentes (pensava eu que até com prazer, mas vai-se a ver…) e nem um piu saiu de vocês.
E não me venham com a conversa de que isto é da idade e que não berravam quando pegava na Nêga (já compostinha, depois de coxa) e a colocava na mala do carro porque eram novos, que, ainda no outro dia, só ouvi SILÊNCIO quando foi preciso rodar o sommier e colchão, ao alto, de maneira a que ficasse paralelo à janela! E olhem que era de casal!!!

Sim, vocês! Estou a falar convosco, vocês todos, sejam lá de duas, três ou mais extremidades! Sim, tu, bíceps braquial e vocês, trapézio e dorsal longo. Lá porque me seguram e mexem o braço ou a cabeça ou o dorso, quem pensam vocês que são? Hein? E tu? Ilíaco de um raio! Porque não largas o meu quadril? Vocês, glúteos de todos os tamanhos, e tu, abdominal! Vocês não vêem que eu estou a fazer isto tudo por vocês?! Não têm olhos, por acaso? Só boca?! Não querem ficar mais firmes e à vontade, mais à larga, sem terem que dividir o vosso espaço com elas?! Não? Vergonha... vergonha é o que vocês deviam sentir se se olhassem ao espelho! Bem, e que dizer de vocês todos aí das pernas. Nem nome de jeito têm, a não ser o gémeo… Quem, em seu pleno estado de saúde mental, baptiza seja lá o que for com os nomes de
tibial anterior,
vasto interno da coxa,
tensor da fáscia lata!
Nomes a dar ao importante… devem ter a mania que são reis! Um dia ainda me obrigam a chamar-vos de Dom, querem lá ver! Is-qui-o-ti-bi-al, nem me atrevo a chamar-te em voz alta, ou algum primo teu me prega uma partida na língua e sai outra coisa qualquer, bastante parecida com um palavrão!
Precisavam de vir gritar agora, AOS ALTOS BERROS, só por causa de uns míseros sessenta minutos de pilates e de uma ou duas caminhadas mais aceleradas na passadeira e na elíptica? Nem sequer corri, bolas! Não têm mesmo qualquer pejo, vocês! Um dia destes - ouçam o que eu vos digo, vocês todos! -, um dia destes, ainda vos encho a todos de contracções e fico sem me mexer uma semana inteira! Francamente!… CHIU! Estejam calados, já disse! Seus, seus… suas grandessíssimas formações-orgânicas-carnosas!

domingo, 26 de janeiro de 2014

et alia 2

«Locuras

Hay locuras para la esperanza
hay locuras también del dolor
y hay locuras de allá
donde el cuerdo no alcanza
locuras de otro color
hay locuras que son poesias
hay locuras de un raro lugar
hay locuras sin nombre
sin fecha , sin cura
que no vale la pena curar
hay locuras que son como brazos de mar
te sorprenden y te arrastran
te pierden y ya
hay locuras de ley
pero no de buscar
hay locuras que son la locura
personales locuras de dos
hay locuras que imprimen dulces quemaduras
locuras de diosa y de dios
hay locuras que hicieron el día
hay locuras que estan por venir
hay locuras tan vivas
tan sanas , tan puras
que una de ellas sera mi morir»


Silvio Rodriguez

Azul, grande, em fundo branco, ligeiramente abaixo da altura dos olhos


Escrever na 1ª pessoa nem sempre significa que tal aconteceu connosco…
Digamos que pode ou não ter acontecido…
Por exemplo,
digamos que ia eu Duque d’Ávila acima, direcção saldos na Zara para ver se encontrava uma saia para a minha filha. Digamos que ia.
Gosto de passear em Lisboa. Na verdade não fui directo pela Duque d’Ávila. Já tinha estado deambulando pelo Saldanha, com o mesmo objectivo, sem sucesso (parece que este ano não há saias ou, a haver, têm folhos ou rendas ou cores estapafúrdias que até são muito giras, mas depois acabam por exigir demasiado de nós, em cada manhã, para vermos se combina com a camisola, se combina com os collants, se combina com o casaco, se combina com o dia ou com a cara dela) e meti-me ziguezagueante por entre aquelas ruas que conheço tão bem, mas cujos nomes teimam em não ficar registados, e acabei na Duque d’Ávila, já junto à Gulbenkian, virei à esquerda em direcção ao Corte Inglés e lá vi a dita ao longe. O prédio estava em obras, mas os andaimes estavam revestidos a painéis publicitários da loja e, no meio destes, uma abertura franca para o interior. Onde me meti.
Cheguei à porta e quase bati com o nariz na dita (literalmente) porque a parva não abriu! Olhei para cima, para o lado, vi pessoas lá dentro (era tarde e era Sábado, mas ainda não tinha fechado), abanei os braços em cima em jeito de posição de guarda-redes de andebol, saltitei para a esquerda e para a direita e concluí, naturalmente, que teriam desactivado a mesma, talvez por serem saldos e pretenderem que todos entrassem pela outra porta, mais acima, poupando no segurança que costuma estar à entrada (na verdade, à saída), para correr atrás de alguém que passe e accione o alarme.
Dei meia volta e fui saindo daquele corredor, misto prédio misto andaime revestido, quando me cruzei com uma mulher em sentido contrário, apressada, que se precipitava para o mesmo objectivo que eu tinha havia minutos. A curiosidade foi mais forte e fiquei meio de esguelha na esquina, observando, para ver se o sensor da porta por acaso não estaria orientado para alturas maiores que a minha. A mulher não abrandou,
- vai-se estatelar no vidro, está-se mesmo a ver, coitada!
estendeu um braço à medida que se aproximava, sua mão encostou-se a um “P” azul, grande, em fundo branco, ligeiramente abaixo da altura dos olhos, que antecedia um “URRE” e se seguia a um “EM”, também eles azuis, grandes, em fundo branco, ligeiramente abaixo da altura dos olhos, e, em jeito de gémeos da palavra da porta, também gémea, de vidro transparente, que estava ao lado, empurrou e… entrou.
Face a tal, fiz a única coisa inteligente que poderia ter feito. Virei costas, avancei rua acima, determinada, virei a esquina, entrei pela porta de cima (esta sim, automática, por sinal), desci as escadas em direcção à secção de criança e, enquanto fui procurando a saia que acabei por não encontrar, fiz por lhe dar sempre as costas a ela, à parva da porta de vidro com dobradiças e mola que ostentaria (eu não sei, nunca a vi…) dois “PUXE” azuis, grandes, em fundo branco, ligeiramente abaixo da altura dos olhos, do lado de cá.
Digamos que talvez tenha acontecido assim....

sábado, 25 de janeiro de 2014

et alia 1


«A Graça e o Tiro

 Já sabemos que a vida é injusta e nem sempre depende do mérito. Os membros mais clarividentes da selecção sabem que o jogo com a Itália será recordado pela derrota e por um golo que só existiu na sua iminência. E talvez por alguma imagem solta não pertencente ao jogo. É curioso como alguns futebolistas caem em graça e outros caem como um tiro (mas isto acontece em todos os âmbitos da injusta vida), e como uma ou outra coisa dependem em certos casos de algo que fizeram um única vez em campo, diante de milhões de espectadores. Num ápice, por mais uma reacção que por uma jogada, o indivíduo pode ficar marcado para sempre, ou até que um gesto contrário o redima ou condene. O mais surpreendente é que o mesmo gesto pode ser entendido de maneiras diferentes e até opostas, como se fosse próprio de alguns jogadores e impróprio de outros, ou talvez os matizes, de tão subtis, acabem por ser vistos por toda a gente. Há quatro anos, no Mundial de Itália, o inglês Gascoigne recebeu um cartão numa semifinal, o que supunha que, se a Inglaterra ganhasse o jogo, ele perderia a final, castigado. (Não ganhou, não foi tão grave.) Ao gordo Gascoigne, que mais que um jogador parecia um hooligan, um tipo indisciplinado e duro, saltaram-lhe as lágrimas nesse momento com espontaneidade impudica, enquanto se dispunha a continuar a atacar para que os companheiros pudessem efectivamente chegar ao jogo sublime em que não estaria. Conquistou o público de todo o mundo, a partir daí perdoa-se-lhe tudo. Há alguns dias vimos também chorar o pobre Luís Enrique, a quem Tassotti partiu o nariz com uma cotovelada dentro da área. E contudo não acredito que essa imagem lhe granjeie muitas simpatias, estando a razão do seu lado: talvez fosse demasiado choramingas (o madridista lançou-se para o chão, o seu pranto teve demasiada veemência e puerilidade, gritou ao agressor “Filho da puta, filho da puta”). Sobretudo durou demasiado, não foi uma imagem furtiva mas exibida. A duração é tudo no que respeita às emoções, estas desvanecem-se quando se insiste nelas.

Há já muitos anos o real Madrid perdeu uma Liga diante da real Sociedad no último minuto, e o falecido Juanito Gómez rebolou-se pela relva como uma bacante (aquilo que no colégio se chamava “uma menina”). Parecia que o que queria não era tanto sofrer como desejar que víssemos quanto sofria, não me parece que essa imagem o tenha beneficiado, assim como aquela em que deu um pontapé na cara do alemão Matthäus caído na relva, não há quem a esqueça. Em troca não saiu tão mal visto o italiano Gentile quando em 1982 rasgou a camisola a Maradona, deixou-lha num farrapo. A acção não podia ser mais cobarde e flagrante, mas Gentile soube pôr a expressão cínica de inocente de tal maneira que se passou por cima dela, por ser bom actor, julgo. Neste Mundial, Bebeto, Romário e Màzinho conseguiram com o gesto de embalar uma criança nos braços mais simpatias para o Brasil que com os seus golos assépticos: lembraram-me John Wayne e os seus compinchas – Pedro Armendáriz e Harry Carey Jr. – naquele emocionante filme de John Ford, Os Três Padrinhos, em que uns foragidos percorriam o deserto com um bebé acabado de nascer a quem cantavam Streets of Laredo. O futebol tem muito que ver com o cinema, e cada vez mais, por ser muito mostrado nos ecrãs. O guarda-redes sueco Ravelli tornou-se antipático depois de ter defendido dois pénaltis contra a Roménia, não sei explicar porquê, talvez tenha dado demasiados murros no ar alguém cujo físico não se presta a graçolas. E é uma pena que o francês Cantona não esteja no campeonato: é adorado na sua equipa, o Manchester United, pela cara de bicho mau, pelo ar de exilado e – mistério – porque usa a gola da camisa levantada. O futebol é tão incompreensível como a vida: em ambos se cai em graça ou se cai como um tiro.»

 1994, Javier Marías, in Selvagens e Sentimentais, Histórias do Futebol

Há fracturas que não são melhoria


Aí há cerca de uns 3 ou 4 anos, no início da crise no país e num fórum profissional de âmbito recursos humanos sobre o EU, falava-se da crise e das suas consequências para a necessidade de aposta no EU, já que o Mundo estava demasiado ocupado a lamber as suas feridas para se preocupar com os outros, e uma colega, com idade semelhante à minha, disse algo como: “pois eu estou muito optimista, porque isto é um momento fracturante e os momentos fracturantes são importantes para darmos a volta por cima e ficarmos mais fortes e melhores”.


Na altura, esta frase teve bastante significado para mim e no imediato concordei com ela e fui tentando apostar no optimismo. Mas… Sabem quando uma frase ou um conceito nos persegue e vai crescendo e chocalhando cá dentro, sem nos conseguirmos aperceber bem com que consequências?

Os momentos fracturantes exógenos são importantes para nos testar e, a dar a volta, dá-la no que é melhor para o EU em relação ao resto do Mundo. E isso não significa necessariamente que tal seja o melhor para o Mundo.
Há uma linha ténue entre os momentos fracturantes e os traumatizantes. Estes últimos não deveriam servir para nada, porquanto não se esquecem, por mais que tentemos esquecer; porque magoaram bem fundo e, mesmo que após esses, seja comum pensar que estamos mais preparados para o Mundo, a verdade é que não deveriam ocorrer e não é porque possam tornar-nos mais rijos, mais carapaça, que são melhores seja lá para o que seja.
Há por aí muito boa gente a passar momentos traumatizantes na sequência dos fracturantes…
Há momentos fracturantes endógenos. Esses sim. São aqueles em que olhamos para dentro e, de forma mais ou menos coerente, mais ou menos consciente, usamo-los para nos tornar diferentes em relação a nós próprios; e eu acho que devemos agarrá-los com unhas e dentes e controlar esta mudança e fazermo-nos melhores face a nós próprios, independentemente do Mundo. Aí sim, acredito que o Mundo fique melhor.

Natálio


Num dos fins-de-semana crianças do meio do mês, num Domingo de casa, lá nos resolvemos a desfazer a árvore de Natal. É engraçado como desfazer a árvore de Natal pode ser tão entusiasmante como fazer a árvore de Natal.

Segunda-feira, fechando a porta, ouvi-o.
eu: meninos, ontem esquecemo-nos de tirar este enfeite.
J: mas nem sequer lhe demos um nome...
M: e eu não percebo por que razão temos de o tirar…

Ficou o Natálio.
Ficou, o Natálio.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Semana Sim, Semana Não. Semana Sim, Semana...


Semana Sim, Semana Não.

Semana Sim, acordamos cedo, ligamos o rádio. Se não tivermos ficado sem luz, deixamos na Antena 1; se na véspera ficámos sem luz, porque nos distraímos e ligámos o aquecedor do quarto deles e o da sala para o jantar e o micro-ondas que o aquece e o secador de cabelo para ela, fazemos um esforço para encontrar a Antena 1 e sabemos que programas vamos ouvir.

Semana Sim, saltamos da cama, objectivos traçados, abrimos as janelas para fingir entrar uma claridade que não entra, porque é cedo, porque é Inverno, porque chove, mas fingimos que ela entra e que torna os seus acordares mais suaves e, enquanto os seus não acordares vão des-aparecendo, preparamos lancheiras para eles – dois líquidos, dois sólidos, fruta -, suavemente re-entramos no quarto

- olá princesa… que queres para o pequeno-almoço? Papa? Está bem, a mãe vai preparar, mas vais ter de ir acordando…

- olá meu amorzinho, dormiste bem? O costume? Leite ou iogurte? Bolachas de chocolate acabaram ontem… Está bem, podem ser daqueles palmiers mini. Tens de ir acordando, sim?

Semana Sim, tomamos o pequeno-almoço juntos, lembramo-nos dos comprimidos para o estômago, para o SPM, para o humor; e o raio da pressa que, mesmo quando não há, teima em não fugir, ao contrário da claridade que teima em não entrar… Semana sim, preparamos as roupas que pomos no aquecedor para aconchegar os corpinhos ensonados e preguiçosos

- hoje tenho educação física

- hoje tenho violino

- hoje tenho dança

- hoje está a chover

fato-de-treino, violino, caderno de música, mochila do ballet, guarda-chuva, saímos à pressa, porque não olhámos para o relógio e julgamo-nos atrasados, quer estejamos, quer não, estamos sempre atrasados,

- até logo, Natálio!

tentamos lembrar onde está o carro, nunca falhamos, entramos no carro

- meninos, cinto

já estamos a chegar ao colégio

- mãe, só agora é que pus o cinto

- despede-te da tua irmã,

um abraço,

- diverte-te!

Esperamos vê-lo entrar no prédio, entramos no carro, TSF ao longe, mas nem a ouvimos

- hoje está mais trânsito, a ver se a carrinha do Minipreço não está parada em 2ª fila, como é costume,

- mãe, não precisas olhar que eu digo-te quando estiver verde!

Estacionar, junto à escola; tira mochila, tira violino, tira lancheira, cuidado com os carros, vai pelo passeio, atenção ao guarda-chuva

- fica  aqui até  te dizer adeus!

- claro! E diverte-te!

Semana Sim, chegamos sempre à mesma hora ao trabalho, ainda tentamos chegar um dia mais cedo, mas descobrimos que a escola ainda está fechada às 8:00 e aproveitamos e, por uma única vez, sem pressas, vamos ao café com ela e tomamos um segundo pequeno-almoço, enquanto fazemos aquela meia horita e somos, ainda assim, os primeiros a chegar.

- Bom dia, Dona Conceição.

- Até logo, Dona Conceição.

Semana Sim, damos o nosso melhor, saímos a tempo de os ir buscar à música, ou a tempo de a ir buscar à dança, ou a tempo de ir ter com ele antes da hora da Mia, ou a tempo de a apanhar antes que a escola feche.

- Olá Natálio!

Semana Sim, orientamos o banho, orientamos os têpêcês, treinamos desenho, apontamos falhas, apontamos sucessos, questionamos sobre a cor das bolas do comportamento, perguntamos o que aprenderam, perguntamos o que brincaram, preparamos o jantar, ouvimos ao longe o piano e até opinamos, seguramos as pautas do violino, aprendemos sobre queixeiras, pomos a mesa, jantamos juntos, na mesa da sala, ouvimos música, jogamos jogos de palavras, aguentamo-nos com o cansaço que se instala e cresce com os dias da semana Sim, levantamos a mesa, separamos em “lixo orgânico” e “lixo reciclar”.

Semana Sim, gritamos para que lavem “dentes, mãos e cara”. E xixi e vistam o pijama, enquanto lavamos a loiça do jantar que teve sopa e prato e fruta e, em dias raros, uma goma, um bombom, um quadrado de chocolate.

Semana Sim, contamos uma história ao adormecer, fazemos planos para o fim de semana, que vamos cumprir, ou que vamos falhar porque surgem novos planos para o fim de semana, apagamos a luz

- 10, 9, 8, … - dez beijinhos e “descolar para dormir e sonhar com…”

- 1, 2, 3, …, infinito, dezero – mais beijinhos e “descolar para dormir e sonhar com…”

Semana Sim, ele adormece num ápice, ela

- vai, fazes uma coisa e vens.

- Maria, já sabes que a mãe vem sempre dar-vos um beijinho antes de ir dormir. Vá, agora dorme e não fales alto que o teu irmão já dorme.

Semana Sim, aterramos no sofá, vemos o Facebook, ou vemos televisão, ou vemos os e-mails ou vemos o trabalho, ou vemos o tecto, levantamo-nos, “dentes, mãos, cara”. E xixi e vestimos o pijama, damos beijinhos ou nem sempre damos beijinhos, pura e simplesmente acendemos a luz do quarto deles e vemo-los a dormir, ajeitamos os cobertores, damos uma festa e damos a volta e pomos o despertador, sempre para a mesma hora, e nunca nos lembramos que a luz faltou e o rádio não está no 95.7.

Semana Sim, temos rotinas e os dias não são rotineiros.

Semana Sim, semana Não.

Semana Não, acordamos a horas diferentes. Porque temos uma reunião às 8:00. Porque temos uma formação às 9:00. Porque não temos nada marcado. Porque de véspera nos decidimos acordar cedo, mas premimos dispensar até mesmo à última da hora, altura em que nos decidimos levantar e decidir que vestir. Ouvimos sempre a Antena 1, porque não ficámos sem luz, porque nem nos lembrámos de ligar os aquecedores e, se sim, não houve micro-ondas, não houve secador, não aquecemos o do quarto deles nem a sala. Nunca sabemos bem o que vamos ouvir.

Semana Não, abrimos as janelas para fingir entrar uma claridade que não entra, porque é cedo, porque é Inverno, porque chove, mas fingimos que ela entra e que torna os nossos acordares mais suaves, vamos directos à cozinha, esquecemo-nos do estômago, do SPM, do humor; não tomamos o pequeno-almoço, engolimo-lo.

Semana Não, nunca nos lembramos onde estacionámos o carro de véspera e viramos à direita quando devíamos ter virado à esquerda e não nos lembramos sequer de trazer o guarda-chuva, na verdade, nem sabemos onde está e damos a volta ao quarteirão e perdemos mais 5 minutos e chegamos encharcados ao carro, mas não interessa.

Semana Não, nem sempre deixamos na TSF, depende da hora, por vezes ouvimos um disco, o silêncio existe, chegamos num instante ao trabalho, chegamos antes da hora ao trabalho, damos o nosso melhor e não temos nem queremos ter hora para sair.

Semana Não, não comemos sopa, não comemos fruta, comemos o que haja, quando haja, onde haja, deixamos a louça amontoar-se, não queremos saber do lixo, aterramos no sofá, vemos o Facebook, ou vemos televisão, ou vemos os e-mails, ou vemos o trabalho, ou vemos o tecto, fazemos planos para o fim de semana que não vamos cumprir, levantamo-nos, “dentes, mãos, cara”. E xixi e vestimos o pijama. E cama.

Semana Não. Não há rotinas. Tudo é rotineiro.
 
 

 

Esta semana, e após um período de cerca de 4 meses em que estive inscrita 3 meses num 1º ginásio que nem cheguei a saber onde fosse e 1 mês num outro onde ainda não tinha tido motivação para ir, aproveitando uma semana sem as crianças, uns 15 quilos a mais e alguma motivação associada a terceiros e a mim própria, lá me decidi ir fazer a minha avaliação personalizada ao dito… ao ginásio.

- Bom… vou então traçar-lhe um plano de treino, tendo em conta os objectivos que me deu. – disse o João.

- Tudo bem. Mas só tem é que ter em conta que eu só posso vir semana sim semana não.

- Ah, é por causa de crianças, é? Quanto são? Como se chamam?

- Sim, é. São dois. O João…

- Lindo nome!

- … e a Maria

- Ok, vamos então a isso. Vou traçar-lhe, então, um plano a partir de hoje e durante 2 meses para depois fazermos uma re-avaliação, sim?

- Sim, está bem.

- Vou, então, traçar-lhe um plano semana sim, semana não. Ora, tendo em conta que está aqui hoje, imagino que esta seja uma semana sim, não é?

 
 
Semana sim, semana…

 

sábado, 18 de janeiro de 2014

O que eles dizem...

...e eu ouço...

M: Como é que e chamam as pessoas que não têm filhos?
J: São pessoas normais.
M: Não estás a perceber. As pessoas que não têm filhos não se chamam normais!...
J: Não. As pessoas que não têm filhos são COM-PLE-TA-MEN-TE normais!

domingo, 12 de janeiro de 2014

Concreto e Quotidiano

Sábado de hoje: crianças que acordam e ficam a ler ou a brincar com os bonecos. Despertador que toca. Porque é Sábado com eles. Pequeno almoço e preparativos para a manhã e dia. Futebol do João, pagar mensalidades e ler um pouco com a Maria enquanto esperamos. Gerónimo Stylton e Javier Marías - Selvagens e Sentimentais, Histórias do Futebol. Ginástica da Maria e ler com o João no café. Outro Gerónimo; o mesmo Javier. A caminho de Oeiras, para casa dos avós que não vemos desde aquela noite de 24. Tremores e cochichos, mas a mãe que não veja. As praias estão diferentes. Com mais areia. Compramos uns livros para ler, imediatamente antes de chegar. Dois livros; nenhum Gerónimo. Vamos a um restaurante e comemos muito bem. E corre muito bem. Vamos ainda a casa deles e escolhemos na net um filme. A caminho do alvalaxia, paramos no continente de telheiras e compramos lápis de cor, borracha, caixa para guardar os enfeites de Natal e a prenda para o David. O João vai à festa amanhã. Um livro. Um ainda outro Gerónimo. Vamos para o alvalaxia. Compramos os bilhetes e ainda vamos à "loja da Maria" comprar galochas para a Maria. Têm flores. Vemos um filme. Chovem almôndegas 2. No título original parece melhor. Gostamos. Saímos (temos dificuldade em dar com o elevador) e desafio a um happy meal. Regresso ao meu 1o Mcdonalds. Enquanto peço, eles esperam-me na escada. Maria deitada no degrau, até chama atenção a funcionária que lhe pergunta onde estão os pais. A Maria aponta-me. João lê, ao lado, sentado.  Enquanto comem, falo de quando o Luis ali trabalhava, há quase 20 anos, e de quando ia à pastelaria Colombo (exatamente ali), ainda antes, com o meu pai. Quando deito os despojos no lixo, sou cumprimentada por uma senhora que me dá os parabéns pelo meu filho que ela viu a ler: "Já é raro. Estava tão concentrado. Parecia um pequeno senhor.". Agradeci, disse que ambos gostavam. Babei! Casa, ler, beijinhos. Tudo um pouco mais tarde. Torradas, biscoito, nozes e tinto. E televisão. E sofá. E cama.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Sem título 1


Eu queria dar-lhe outro título, estava mais que convencida de que ela o merecia, a sério. Mas como a danada da ?x%&pt# não me deixa, de todo, rodá-la, uns míseros 90º, sinceramente vejo-me de mãos atadas. Há-de se arrepender!... Pfff...

domingo, 5 de janeiro de 2014

Quando dizia quando for grande, queria ser professora. Umas vezes. Noutras, jogador de futebol.



Onde é possível escrever algo hoje e amanhã escrever exactamente o contrário. Ser absolutamente incoerente. Contraditório, até. Porque a vida também é assim. Quantas certezas que se tornam dúvidas ou até outras certezas.

Quando for grande quero ser professora!

Quando for grande quero ser jogador de futebol!

Tens a certeza?

Claro que sim!

Sacal et alia


Sacal (de eu)

Adjectivo

Que tem dentro uma amálgama do que possa ser descrito ou sentido

Inominável por ser tanto

Pronome indefinido

Tudo, no sentido de muito

Substantivo indefinido

Pessoa, texto, ideia que tem dentro uma amálgama do que possa ser descrito ou sentido

Local onde cabe tudo, como num saco

Sensação exterior ou interior inominável que representa o tudo ou o muito

 

et alia

Expressão latina que significa “e outros” (neutro plural)

Ontem, não fiz absolutamente nada.


É claro que não é incorrecto dizer “ontem não fiz absolutamente nada”.

Bom.

É claro que não é suposto ser incorrecto dizer que ontem não se fez absolutamente nada, mas, na prática, durante o período em que não se faz absolutamente nada, passa-se o tempo a pensar, bolas… hoje não estou a fazer absolutamente nada. E isso não é não fazer absolutamente nada...

Na verdade, quando dizemos "ontem não fiz absolutamente nada" as pessoas estão à espera que digamos também: recostei-me no sofá e li um livro (que tem de ser um bom livro); ou que digamos também: estive a por as fotos em dia; ou que digamos também: aproveitei não fazer nada para dar um jeito à casa e vi um filme que me tinham oferecido, ainda estava embalado, vê só, e não era mau de todo, mas como passei o dia sem fazer nada, houve uns momentos que se me passaram ao lado.
 
Já não é a primeira vez que me dizem - por que não escreves um blogue? Tenho dificuldade em lidar com o tempo que medeia entre as coisas passarem-se no meu cérebro e aquele momento em que aparecem as palavras no papel.
 
Eu não gosto de ser incorrecta, fico com sentimentos de culpa e, pior, fico com sentimentos de culpa por ter esses sentimentos de culpa, pelo que, neste dia em que não fiz absolutamente nada, resolvi começar o meu blogue. Não fosse ficar, de facto, com um ontem em que não fiz absolutamente nada na minha vida.