domingo, 26 de abril de 2015

Nada se cria. Nada se perde.


A verdadeira questão, aqui, não é: “mas, sinceramente, por que raio mantém ela enfeites de Natal, mesmo que pontuais, pela casa toda, durante todo o ano?... É mesmo tola… Tendo em conta que já todo o Mundo sabe que o Natal é quando um Homem quiser (com ou sem enfeites), não havia necessidade…”.

Não. A questão aqui é: “Porque, como já dizia um outro – lei de Física, o que é o mesmo que dizer, lei de Mundo – Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.

E, nesta casa “sacal”, vive Natureza. Mesmo que sobre enfeite de Natal, em pleno mês de Abril, mês da transformação!
 
 



 

sexta-feira, 24 de abril de 2015

Bolinha


No outro dia, estava eu muito bem caminhando pelo buracado e socalcado pavimento da vida, quando me deparei, presa em concavidade própria de tal chão
(como saberão, grande parte do que pisamos é constituído por inertes e ligantes; com o tempo, os inertes vão-se polindo, os ligantes vão-se fatigando, a base vai-se modificando e, se não agirmos, as crateras – começam por ser pequenas falhas, não é de repente – vão-se abrindo)
com uma bolinha.
Uma pequena bolinha. Quase incaracterística: pequena, quieta, muito redondinha, descolorada. Ensimesmada. Em seu (ainda) buraquinho.
Estaquei.
Eu disse “quase”. Quando me referia à sua incaracterização.
Consegui dirigir meus olhos de forma a separar inertes, ligantes e ausências do (pouco) que conseguia ver da bolinha.
Parecera-me ver um brilho.
Afinei o olhar – de forma discreta: não queria que pensassem, do outro lado da rua, que ensandecera de vez e os óculos guardo-os sempre no carro, porque aí se tornam muito mais imprescindíveis do que quando vou muito bem caminhando pelo buracado e socalcado pavimento da vida.
Era inquestionável. Estava um brilho naquela bolinha.
O que seria?
Como seria?
Faria mesmo parte da bolinha?
Olhei em volta. A rua estava movimentada. Questionei-me, até, como era possível que a bolinha se tivesse mantido por tanto tempo naquele cantinho (tinha ar de já lá estar havia muito tempo), tendo em conta o movimento de incaracterísticos seres que por lá passavam e que, sabia eu, eram em volume constante e, mesmo, cada vez mais crescente, desde que (a minha) Lisboa era considerada como uma das melhores cidades do mundo para “turistar”.
Fiz o que faço de muitas vezes em que pretendo observar melhor alguma coisa: afastar-me.
Atravessei a rua, pus-me a fingir que via umas montras, fumei um cigarrito, puxei do telemóvel e deambulei pelas mensagens, que já sabia não ter, pela ordem do costume:
  • mail do trabalho
  • whatsapp
  • messenger
  • gmail
sempre sem perder o ponto, o vislumbre do brilho reflectido pelas paredes do buraquinho.
Sentei-me no passeio e desatei os atacadores só para poder atá-los de novo. Com duplo nó. Devagarinho.

Foi quando vi aparecer uma criança-jovem. Vinha de ar apaixonado pelo mundo, curioso, atento e distraído ao mesmo tempo, ansioso, expectante.
Estacou.
No exacto ponto onde me havia estacado instantes antes.
Meu olhar também estacou. Entre o nó simples e o duplo dos ténis do pé direito.
E foi então que vi.
Primeiro com o pé. Num movimento suave. Roçou-a. Quase desafiante.
Depois, reclinando-se sobre o chão, estendeu uma mão e… apanhou-a.
Puxou-a para perto dos seus olhos, arrastou os auscultadores que trazia na cabeça para trás, rodou-a entre seus dedos - longos, proporcionais à palma -, da sua mão direita, primeiramente com cautela, entre indicador e polegar e, logo num repente, mais ousado, dedos todos roçando por ela, palma com palma, espremendo-a.
Observei, entre o espanto e a curiosidade, o que fez depois. Até um pouco assustada – o que seria dela?
É que a criança-jovem apertou-a na palma da mão direita, a qual moveu em movimento descendente, arqueou as pernas e, com o que me pareceu ser todo o seu vigor, arremessou-a até – o que me pareceu – o infinito celestial. E ela regressou. Por força que me pareceu maior que a gravidade. Exactamente para a sua mesma mão direita, que a apanhou no ar, em pleno voo e (quase) me pareceu que brilhante como nunca.
E, em movimento contínuo, o rapaz-jovem, apertou-a de novo, levantou a mão direita à altura do ombro, e (pasmem-se, como eu) desatou a arremessá-la contra ele, o chão, pavimento da vida, como se de um jogo de pré-escolar se tratasse. E deixava-a ir e vir. E ir e vir. E ir e vir. E, de cada vez que ela regressava, ele apertava-a com força com a sua mão direita, sentia-a roçar a Linha da Vida, a Linha do Coração, a Linha da Sorte – todas as linhas da sua palma – e voltava a atirá-la contra ele, só pelo prazer de a voltar a ter de volta. E assim continuou, num tempo infinito enquanto durou (como o poderia ter dito Vinícius de Moraes), enquanto eu, sentada no passeio do outro lado da rua, tentava reinventar nós de marinheiro, lais-de-guia, nós direitos, nós tortos, oitos, qualquer coisa que fizesse entreter meus atacadores, enquanto observava criança-jovem e bolinha-com-ponto-de-brilho, numa tentativa de passar despercebida.

Parou como começou. Puxou-a para perto dos seus olhos, arrastou os auscultadores que trazia na cabeça para a frente, rodou-a entre seus dedos - longos, proporcionais à palma - da sua mão direita, já sem cautela, entre indicador e polegar e, logo num repente, mais tranquilo, dedos todos roçando por ela, palma com palma, espremendo-a, deixou-a cair.


Atravessei a rua.
Deixei-a para trás, a bolinha. Entregue aos inertes, já polidos, aos ligantes, fatigados, escondendo, mesmo que sem querer – toda a gente sabe que as bolinhas não têm querer - um brilho, quase oculto; esperando um pé - afoito, abusado, atento - que a voltasse a olhar, e nela encontrar, pelo redor das suas incaracterísticas, aquele ponto pequenino, ainda mais pequeno que ela, aquele que o atrairia, de forma incontrolável, ao ponto de, ao de leve, percorrer o chão que pisava em movimento de translacção sobre o esférico, que nem futebolista que se prepara para puxar a bola para si, dar-lhe um toque com jeito com a biqueira, ajeitá-la perante o olhar do adversário, puxar a perna para trás e acertar-lhe, em cheio, em direcção às redes da equipa adversária.
E ouvi-lo gritar: goooolo! Meu e da minha bolinha!
Ou uma mão. Também pode ser uma mão.

Antes de seguir, ainda re-olhei. Num repente, pareceu-me maior, inquieta, com formas menos perfeitas – para bolinha – e, pareceu-me mesmo que (como referi, estava sem óculos) brotava cor de todas as cores e que essa não era branca (como se lhe impõe a tudo que brote todas as cores), mas sim vasta, definida em múltiplas, disparando para todas as direcções, mesmo para dentro daquele buracado e socalcado pavimento da vida.

Expansivando-se.
Abrilhantando-se.
Enquanto dure.
Até só restar um ponto. Um pontinho.
Só para os mais atentos.
Antes que se apague.
"Que não seja imortal, posto que é chama,
mas que seja infinito enquanto dure."
como disse Vinicius de Moraes, no seu "Soneto de Fidelidade"

quinta-feira, 16 de abril de 2015

A vida é feita de…pequenos, grandes, nadas, tudos


Diz, alguém, que “a vida é feita de pequenos nadas.”

Eu, que estou sempre a contestar frases com as quais, na verdade, concordo – caso assim não fosse, seriam daquelas que nem sequer chegam a entrar num ouvido, quanto mais a sair pelo outro -, respondo:

 “E como é que encaixamos os “grandes nadas” e os “pequenos tudos” na vida que já está feita, e, até, cheia, plena (atrever-me-ia a arriscar) de pequenos nadas?

Descartamo-los?

E será isso justo para ela? Para a vida? Que é a NOSSA vida?

Se ela é feita de “pequenos nadas”, temos o direito de não dar peso nenhum aos “grandes nadas” ou aos “pequenos tudos”?

Ou temos de transformar “grande” em “pequeno” ou “tudo” em “nada”?

E se não conseguirmos? Significa que não fazemos vida? E se aparecerem “grandes tudos”? Sobrepor-se-ão aos “pequenos nadas”? Deveremos deixá-los? Sobreporem-se? Substituí-los? Abafá-los? Ou podemos encontrar forma de os equilibrar?”

 
Responde-me lá, Sérgio. Tu que nos enches de pequenos grandes tudos e nadas e que, com palavras, fazes vida... Não te esqueças do brilhozinho nos olhos. Ele é fundamental para que a resposta seja convincente.


quarta-feira, 15 de abril de 2015

O que eu lhes ouço e com que me deleito


Eu estou fora. A lavar a louça. Às vezes distraio-me, outras faço por me distrair, outras ouço:

M: Dá-me a pasta.

J: Falta a palavra mágica…

M: Dá-me a pasta, se faz favor.

J: Falta a palavra mágica…

M (já em modo impaciente, sobe o tom de voz): João! Dá-me a pasta de dentes, SE FAZ FAVOR!!!!

J: Falta a palavra mágica…

M (prestes de fora de si): MAS QUAL PALAVRA MÁGICA?

J: “Dá-me a pasta de dentes, ABRACADABRA… Claro!”

 

Ri-me sozinha na cozinha. Afinal, o silêncio passara a imperar, pelo que não havia razão nenhuma de preocupação… Ufff, ABRACADABRA…

Pseudo-Mafalda


Aí há uns tempinhos, alguém me escreveu, a propósito dos seus 2 primeiros sacais lidos (dois específicos e não muito recentes sacais): “realmente só falta estabilidade, e talvez amor, para que a tua mensagem motive maior deleite.”

 Por estranha coincidência, no exactíssimo mesmo dia e a propósito de um terceiro sacal (bastante mais recente), um outro alguém, bastante distante do primeiro, escreveu (escreveu mais, bastante mais, aliás, à semelhança do outro, mas, para este, transcrevo parte): “Mas não cales o teu grito, mesmo que ele não seja ainda libertador. Lembra-te do outro que sabe que não há caminho porque ele se faz caminhando. Ele, mais todos os outros poetas que nunca ninguém ouviu, ouvirão o teu grito e não para o abafar – como tu dizes – mas para gritar contigo num hino de Alegria que será só teu, para depois ser de todos.”

Antes de mais, perdoem-me, L. e M., por usar e abusar das vossas palavras e expô-las aqui em campo tão aberto. Não costumo fazê-lo (e sabê-lo-ão todos os que já me dirigiram palavras contra-sacais). Mas, já sabem, às vezes as palavras ficam-me bailando na cabeça e, mesmo quando aparentemente estas não parecem ter nada em comum, começo a ligar linhas (que estarão mais na minha mente que, possivelmente, na dos que emitem tais palavras) e foi o que me aconteceu, desde esse dia até hoje (que foi ontem) e até hoje (que é hoje) e, mesmo no presente, tenho ainda alguma dificuldade em conseguir expor todos os jogos que a minha cabeça fez, em torno destas.

A Contestatária (que não Mafalda, de quem, aliás, sou incondicional fã e que encarno, neste hoje que também foi ontem) não consegue ficar indiferente às opiniões, aos comentários; às sobrelinhas que lhe chegam e, também, pela coincidência - de data (ainda por cima não de tema-sacal), de parte entrelinhada dos comentários – deixou-se embrenhar neles, porque relevantes, decidiu - até por falta de tempo, agora já praticamente constante em semana-sim e semana-não - que não iria (apesar de a minha cabeça correr para aí) extrapolá-los à generalidade, mas que mereciam uma contra-contestação atenta do “eu” que as assina.

Vai daí, dou por mim hoje (lá está o problema temporal do “mas que dia é mesmo hoje”?) – noite de semana-sim, deixando-os adormecer porta ao lado, depois dos


“10, 9, 8, …, 1, 0, descolar para dormir e sonhar com… poesia”

“1, 2, 3, …, infinito, dezero, descolar para dormir e sonhar com… música e dança”

já em vias de me fazer descolar a mim própria, dormir e sonhar com o que me aparecer, a pensar o seguinte:

  • L., é à força da não-estabilidade e do desamor que (muitas) palavras me assaltam, mesmo quando a vida se me digna (ou eu a ela) como que a polvilhar-me de nuvens esbatidas de estabilidade e amor;
  • M., se eu conseguisse ver que haveria de haver voz que gritasse no meu caminhar um hino fosse ao que fosse – e, quem dera, à Alegria – não teria forças para gritar, muito alto, sem que ninguém ouvisse. Muito alto.

“Brusco”.
“Impertinente”.
“Tudo isto sem saber sequer se me irás ouvir.”
“Eu” ouviu-vos.
E, esta, quem assina é:

quem se há-de calar, nem que por instantes breves, por brusquidão, impertinência, estabilidade, amor ou por encontrar a voz que – não a abafe -, mas grite com ela.

Contestatária. Sempre.
Ou talvez não.
Mesmo que o hino não seja de todos; que seja só para mim.

Hoje, 3ª noite de semana-sim, foi:

“10, 9, 8, …, 1, 0, descolar para dormir e sonhar com… amor”

“1, 2, 3, …, infinito, dezero, descolar para dormir e sonhar com… amor”