quarta-feira, 14 de junho de 2017

Sobre (o alargamento de) prazeres


Por mais verdadeiros e transparentes que sejamos, nem sempre queremos que os nossos prazeres sejam do conhecimento alargado. Não por poderem ser ilegítimos ou atentarem a qualquer bom costume (“bom costume” é expressão que nos poderia levar bem longe, em texto, mas não cabe tudo aqui e há que ser minimamente assertivo ou os leitores rapidamente mudam de página; neste caso, fazem discorrer dedo ou rato mais para baixo); apenas porque não queremos. Haverá muitos “porquês”, possivelmente agregados “por grupos” e até alguns que são apenas nossos. Mas não têm espaço neste texto.
Vou dar um exemplo e tome-se apenas como exemplo: há quem retire um enorme prazer da refutação escrita. Também com a outra, a falada, mas pode dar-se o caso de encontrar em modo lido algo que, por diversas circunstâncias, puxe mais pela escrita. Fá-lo quase de urgência e utiliza-o, não apenas pelo prazer de refutar outros, mas porque, ao fazê-lo, entra em exercício de reflexão “para dentro” e acaba também por se refutar a si próprio. É bem capaz de, por vezes, partilhar essa reflexão. Mas, por entrar demasiado dentro de si, não o faz com a verdade, transparência ou abrangência que lhe são sobejamente reconhecidas.
Não temos de partilhar tudo com “todos”. Confesso que sinto arrepios quando vejo desabado em FB um momento de sofrimento que não caiba dentro de alguma opinião “pública”. Eu, quando sofro, nem me lembro que esta coisa existe (esta frase não é totalmente verdadeira, mas diz respeito a momentos de sofrimento-só e permito-me mentir descaradamente, pelo propósito do texto – muitas vezes incoerente, bem sei).
Não vou dizer que não é útil e que serve por vezes propósitos interessantes (bolas! Como não suporto esta palavra; deve ser um indício escondido…). Mas, como devemos reagir quando, no espaço de breves minutos nos deparamos com
- poemas lindíssimos que pecam por estarem sempre associados a imagens que só servem para captar olhos desatentos e sem ligarem sequer à palavras que as precedem
seguidos de
- notícias de violência doméstica (seja ela numa casa, num país ou pelo Mundo)
seguidas de
- apontamento humorístico brilhante sobre qualquer hipocrisia do mundo (eu adoro rir e penso que rir de nós próprios é um excelente exercício)
seguido de
- fome, necessidades extremas, necessidades que, não classificadas como extremas, deviam ser vistas como tal; mas já nos tornámos insensíveis e já só vemos necessidade se virmos, a acompanhá-la, barrigas inchadas, corpos de crianças boiando, fotos de pais que choram, esventrados ou rebentados, idealmente, com um membro para cada lado; e que tenha imagem, bem chocante, a acompanhar o texto
seguidas de
- “veja aqui qual a sua profissão de sonho”, onde reconhecemos publicações de tanta gente que já muito deu trabalhando naquilo que não foi “escolhido” como  seu sonho, mas onde se embrenhou, talvez até com vocação de início, mas caindo depois nas malhas do “necessário”, do “não posso deixar isto”, do “pois… mas tem de ser.”; infelizes naquilo que mais lhes ocupa os dias depois dos dias
seguido de
- centenas de mortos após tentativa de resgate de uma embarcação ao largo de…
seguidos de
- todas as receitas da Bimby!
seguidas de
- dezenas de mortos em ataque no…
seguidos de
- “Parabéns!” – já nem me lembro bem da tua cara, mas esta coisa disse-me que fazias anos
seguidos de
- burlões, chantagistas, aldrabões, potenciais vencedores em seus mundos de mentira
seguidos de
- excertos de livros que nos tocam; que sentimos mesmo sem comentar
seguidos de
- votos de pêsames por alguém que lutou por outros e que acaba de se ir
seguidos de
- fotos de paisagens, pessoas ou momentos Belos; ou engraçados
seguidas de
- avisos para concertos ou exposições ou inaugurações ou festas, que serão muito bons, em que até nos atrevemos a premir o “com interesse”, mas em relação aos quais já sabemos que não iremos, porque, porque, porque…
(e, se aqui continuasse, não mais daqui sairia; não porque o mundo esteja todo aqui, longe disso, mas porque já há tempos que venho escrevinhando sobre o tema e todos os dias me ainda surpreendo).

Tentando não me perder no texto, às vezes, pura e simplesmente, não queremos os outros dentro das nossas refutações. Nem nas dores nem em todos os prazeres. Quando não temos a quem mais recorrer e precisamos (porque é uma necessidade) escrever, criamos Sacais. Há períodos em que os deixamos em modo de “espera”. Mas não os esquecemos. E, quem sabe?, talvez nos contradigamos num futuro e ficamos pensando nisso e até apostamos connosco que tal ocorrerá, porque existe lá coisa mais saudável do que nos desafiarmos para benefício de Nós, enquanto Nós Com Os Outros? Só Entre Nós… claro.

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