quinta-feira, 5 de outubro de 2017

triiiiiimmm, triiiiiimmm... os que já vieram...

Triiiiiimmm,
triiiiiimmm
Seria assim que soaria, acaso ainda vivesse há uns anos, ainda recordados.
Estridentes
triiiiiimmm,
triiiiiimmm,
feitos polifónicos, difíceis, por nem recordados, de passar a preto em branco por letras.
Triiiiiimmm,
triiiiiimmm,
estava na minha mão e o dedo não percorria o ecrã.
Triiiiiimmm,
triiiiiimmm
(o dedo, que não era um dedo qualquer, era o polegar da minha mão direita, teimava em não percorrer ecrã de esquerda a direita para que se ouvisse voz do lado de lá do esperto)
Triiiiiimmm,
triiiiiimmm.
Era esperto e avisava quem falaria do lado de lá. O outro, o velhinho preto, pesado, com ficha de vários orifícios, de vários formatos, auscultador em que se sabia, à distância, de onde vinha e por onde iriam as palavras de longes, que hoje já não são assim tão longes, ou assim o queremos crer, não avisava quem falaria do lado de lá. Não era sempre uma surpresa, porque havia quem ligasse em hora e dia que, mesmos que não avisados com nome em écran, eram mais que sabidos que viriam. Exactamente naquela hora e naquele dia.
Triiiiiimmm,
triiiiiimmm
(ele sabia. O polegar da minha mão direita. Era 2ª feira, ele estava junto do corpo sentado em minha varanda, em amena noite de setembro, aguardava outras palavras. Estas nem haviam insistido – apenas uma mensagem no 200, o que não era assim tão fora do comum, vinda de
Pai
que era avisado como estando do lado de lá.
Desapareceram os
triiiiiimmm,
triiiiiimmm.
Vamos dar uns segundos ao polegar, sim?
200
“Rita. Liga-me quando puderes, sim?”
Ele sabia, o polegar da minha mão direita. O resto ainda não.
Pai
“Bom. O que esperávamos que acontecesse na Estefânia há muito, aconteceu.”
“Ok. Dá-me uns minutos e já te ligo de volta, sim?”
Sem
triiiiiimmm
triiiiiimmm.
Nenhum
triiiiiimmm,
triiiiiimmm
nos minutos que se seguiram. Uma vertigem; nada demais. Era o que esperávamos. E aconteceu.
Pai
“Pressenti-o”, menti. Quem o sentiu, mais que pre, foi o polegar da minha mão direita.
Há muito que ele o achava quando havia
triiiiiimmm,
triiiiiimmm
não atendidos e seguidos.
Não. Não menti.
Nenhum
triiiiiimmm,
triiiiiimmm.
Ainda não o havia sentido.
Acontecera.
Acontecera? Quando? Há muito.
Achava.
A noite não se descreve; ela escreve-se por si própria. Entre certezas, acontecimentos e perguntas.
………..
- Tinha tudo guardado no mesmo sítio… onde está o lenço e o terço?
Juntar o fato
– a saia é bem capaz de estar apertada, mas eles já sabem como fazer –,
juntar a blusa, limpar os sapatos, encontrar collants,
- Cuecas. Ela não vai sem cuecas.
Tentar encontrar o lenço e o terço preto e branco. Não encontrar nem o lenço nem o terço preto e branco. Encontrar outro lenço e outro terço.
(no entretanto, encher o piano de fotos guardadas algures)
Não preto e branco.
Levá-los.
Apenas com um
triiiiiimmm,
triiiiiimmm
Que se recorda, mas não ficará para a história.
……..
Acontecera?
…….
Enterro.
Plano.
Simples.
Carvalho. Sem adornos.
Cerimónia ligeira.
À tarde. Há quem venha de longe.
Antúrios brancos. Não há? Que sejam os verdes, então. Não, os vermelhos não.
4.
E gerberas. Podem ser gerberas. Rosa.
80 cm.
Pode ficar na horizontal.
Sem foto. Apenas a cruz.
Avé Maria de Bach.
- Está aqui a roupa. Não encontrei o lenço e o terço. Quero esta foto e o seu nome: Cia.
……..
Acontecera?
……..
Já há tanto que acontecera, não é?
……..
Encontrar amigos. Rever queridos, mesmo que não os tenhamos tratado como tal há muitos anos. Rever queridos: dos que temos tratado como tal nos últimos anos. Relembrar idas à Mexicana – 14 anos e foguetes; goiabada e torradas; tão linda…; abraçar e sermos abraçados; sentidamente. Rir. Sentirem-se lágrimas nos olhos. Não por ela. Ela já acontecera.
……..
Acontecera?
……..
Ao tempo que acontecera. Tu sabes bem que sim. Não seria por esta vez…
……..
Gerir encontros, dar outros abraços sentidos e senti-los regressar. Tomar um chá, um café, uma torrada, comer um prego. Encontrar o que vai para o trabalho, mas que por acaso prefere não ir “lá abaixo”; reconhecer, pelos olhos, um louco como nós; amá-lo; relembrar a Foz do Porto; falar da(s) Maricota(s); explicar ligações:
- É minha irmã. Não, não do Fernando Sérgio. Sim, ele tem dois netos. A Cia? 6. Acho.
Mas acontecera.
Vários
Triiiiiimmm
Triiiiiimmm
Que não se ouviram.
……..
- Vou andando; é um momento de família.
Não entender a frase. Entrar no carro, dar boleia, acenar a quem tem alergias e não pode ir. Hoje. Estará no 7º dia. Até lá, então.
Haverá
triiiiiimmm,
triiiiiimmm
que nos unam.
Que não por ela. Já acontecera há tanto tempo.
……….
Olhar para ele de longe e ir dar-lhe um abraço.
Descer. Tranquilamente.
Afinal, já acontecera.
……….
……….
- Sim. Tenho de passar.
Sim, tenho de estar.
Sim, tenho de sentir.
Sim, já aconteceu há anos.
Tombar sem o querer sobre a terra, sentir os dedos embrenharem-se na terra, arranharem-na, ouvir um
- Ela é forte,
que nunca se esquecerá,
e outro
- Sim, ela é muito forte,
que nem se entenderá
………….
Sim. Finalmente, renascendo, se foi.
Como
triiiiiimmm,
triiiiiimmm,
de telefone preto, velho e pesado, com cabo enrolado, ficha de vários formatos, em que é preciso discar para se ser ou levantar para se ouvir.
Que não mais tocará.
………….
Triiiiiimmm.
Triiiiiimmm.

………….

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